A cena é impressionante. Trabalhadores e suas máquinas colocando abaixo um prédio é sempre impactante. Penso nisso, enquanto leio perplexo a notícia da demolição da Escola Municipal Laurindo Luiz Formolo, lá do bairro São Ciro. Imagino paredes, colunas e depois o telhado cedendo e virando escombro.
A demolição já estava prevista porque haviam problemas estruturais irreversíveis. A ideia é construir um novo prédio no mesmo lugar, obra que deverá ser realizada pela empresa que vencer a licitação da prefeitura. Só que tiveram de antecipar o processo porque a escola, mesmo fechada, sofria com vandalismo e constantes furtos.
Cada pedaço de escombro revela não apenas do que era feita a estrutura. Revela também um pouco da alma do lugar. Porque onde há pó sobre pedra, professores e professoras ministravam aulas, disputavam a atenção dos alunos em meio ao avanço da tecnologia, que parece tragar crianças e adolescentes das salas de aula. Que o novo prédio sirva de abrigo para o conhecimento a fim de que a semeadura renda bons frutos.
Torço por isso, porque a educação é um dos vetores mais importantes para a transformação de vidas. Há quem diga que isso não passa de um velho clichê e blablablá. Mas estou convicto de que a educação salva, porque salvou meu pai.
Não conheci a professora que ensinou ao meu pai o alfabeto. Desconheço o tema da sua primeira redação. Não imagino como aprendeu a tabuada. Não sei qual foi a reação dele ao se deparar com as aulas de História, principalmente quando a professora confrontava o conteúdo com a realidade lá fora.
Meu pai nasceu na periferia e não fosse a gana de se agarrar à ideia de que a educação salva, não sei mesmo o que teria sido dele. Provavelmente, eu nem teria nascido. Mas em algum momento ele parou de encarar a escola como um fardo, como se o peso fosse da envergadura do tédio — que é a visão que muitos adolescentes têm hoje da escola — e passou a enxergar a educação como um arsenal para a sua vida.
Cresceu, amadureceu e na faculdade descobriu-se no curso de Economia. Muito além da tabuada, a escola ensinou meu pai a depurar a vida através dos números. E assim foi, até a sua morte. O guri que um dia entregava jornais de porta em porta, pra ganhar uns trocados e ajudar em casa, foi resgatado pela educação e passou então a ser fonte de reportagens, sobretudo no que se referia à análise macroeconômica.
Se com a minha mãe aprendi a ler a vida por meio da literatura, com meu pai aprendi a ler a vida por meio do comportamento de uma sociedade diante da dura realidade. A educação, que resgatou meu pai, curiosamente, foi o instrumento de trabalho da minha mãe, professora de língua portuguesa, incansável em apontar caminhos possíveis — apesar da aspereza da realidade.
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A minha estreia nesse espaço ocorre exatos 19 anos depois da primeira crônica publicada no Pioneiro. Agradeço ao Ramão Marques, colega na época, que fez o convite para que eu escrevesse nas suas férias. A mesma gentileza tiveram os colegas Ciro Fabres e Daniel Corrêa, que me permitiam escrever interinamente em cada período de suas férias. Grato de coração. Ao infinito e além.