Espremida entre os interesses da Rússia e do Ocidente, a Ucrânia vive a iminência de uma nova invasão por parte das tropas do Kremlin e o medo de ser abandonada por Estados Unidos e aliados, caso isso ocorra. Afinal, como o país não é integrante da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), não há a obrigação das nações que integram a aliança militar de correr para socorrê-lo, segundo o princípio de que "um ataque contra um membro é um ataque contra todos".
Na atual crise, que pode levar o mundo à primeira guerra de 2022, costuma-se saber o que a Rússia de Vladimir Putin quer, e o que o Ocidente, liderado pelos Estados Unidos de Joe Biden, não deseja (ainda que haja nuances). Mas e os ucranianos, o que querem?
Para entender, a primeira questão a saber é que a Ucrânia, como país independente, tem uma história relativamente recente (apenas três décadas), e sua identidade como Estado é construída em oposição ao "outro", sendo esse "outro", a Rússia. Por séculos, o território esteve ligado aos russos - ao Império Russo e, depois, à União Soviética (URSS), tanto que importantes personalidades da história russa nasceram no território da Ucrânia, como Leon Trotsky e Leonid Brejnev, por exemplo.
Outro ponto importante é que não se pode falar dos ucranianos como se fossem uma massa uniforme: os ucranianos étnicos somam 77,8% da população, mas os russos compõem outro importante grupo étnico, que representa 17,3% dos habitantes do país. O idioma russo é amplamente falado, em especial no Leste (onde fica a região separatista do Donbass) e no Sul (onde fica a Crimeia, ocupada e anexada pelos russos em 2014). Segundo o censo de 2001 (o último), 67,5% da população declarou falar o ucraniano como língua materna, contra 29,6% que fala o russo. Algumas pessoas usam uma mistura dos dois idiomas, enquanto outras, embora declarem ter o ucraniano como língua materna, usam o russo no dia a dia.
Durante o regime de Josef Stalin, o território passou por um processo de "russificação", com a morte de milhares de pessoas e o envio de russos étnicos à então república soviética. Esse processo se expandiu, com as escolas ensinando primordialmente o russo, além da repressão cultural da Ucrânia. Com a dissolução da União Soviética, em 1991, boa parte da população do leste da Ucrânia era favorável a relações mais próximas com a Rússia. Já o resto do país, principalmente nas áreas mais a Oeste, defendia uma maior integração com o Ocidente.
Essa tensão social social volta e meia explode em processos políticos por vezes violentos e com influência e interesses das potências estrangeiras. Um deles foi o chamado movimento Euromaidan (também conhecido como Primavera Ucraniana), a onda de manifestações em 2013 por uma maior integração europeia e que culminou na renúncia do presidente pró-russo Viktor Yanukovytch. Desde então, vem ocorrendo uma maior aproximação da Ucrânia com a Europa, que culminou, em 2017, com a entrada em vigor do Acordo de Associação com a UE, que prevê laços políticos e econômicos mais fortes e o respeito pelos valores comuns. O próprio presidente atual, Volodymyr Zelensky, um ex-ator e roteirista, tem um discurso sintonizado com o Ocidente e foi um apoiador do movimento Euromaidan.
Em 2014, como se fosse uma vingança por essa aproximação com o Ocidente, mas com claros interesses geopolíticos que já abordei em colunas anteriores, Putin invadiu a Península da Crimeia, sob o olhar paralisado do Ocidente. No leste do país (Donbass), o governo ucraniano também trava há sete anos uma guerra com separatistas, que declararam independência das "repúblicas" de Donetsk e Lugansk (também pró-russas). Não por acaso, quando se fala em invasão russa atualmente essa é a área mais provável de ela ocorrer - a questão é se as tropas de Putin parariam aqui ou se avançariam por todo o território ucraniano. No Donbass, os ucranianos étnicos formam 58% da população de Lugansk e 56,9% de Donetsk. Os russos étnicos representam 39% e 38,2%, respectivamente. Ou seja, tanto na Crimeia quanto no Donbass, milhões de pessoas se identificam como russos, não como ucranianos.
Uma pesquisa de opinião pública conduzida pelo Centro de Insights in Survey Research (CISR) do Instituto Republicano Internacional (IRI) na Ucrânia mostra o apoio majoritário à adesão à Otan e à UE. Quando perguntados a qual união econômica internacional eles se juntariam se a Ucrânia pudesse ingressar em apenas uma, 58% dos ucranianos escolheram a UE. Apenas 21% apoiam a adesão a uma união aduaneira com a Rússia, Bielorrússia e Cazaquistão. Com relação à adesão à Otan, 54% votariam, em caso de plebiscito, para aderir à aliança militar.
No entanto, os ucranianos parecem mais preocupados com o bolso do que com uma eventual guerra. Quando solicitados a selecionar as três questões mais importantes para eles, 49% disseram "inflação" e 45% disseram "aumento dos custos de aquecimento, fornecimento de gás e eletricidade".