Apesar do apocalipse ali fora, a pauta é nostalgia. No dicionário, a palavra significa "saudades de algo, de um estado, de uma forma de existência que se deixou de ter" e resumida pelo "desejo de voltar ao passado". Nostalgia veste bem com tudo. Pode ser usada pra falar de música, cinema, literatura, teatro e artes plásticas, bem como pra se referir ao modo como as crianças se portam diante dos pais — e pelas costas, inclusive.
A nostalgia atravessa gerações, sempre agarrando as pessoas, nem que seja pelos calcanhares, se assim for preciso, independentemente da condição social, cultural ou econômica. É preciso vigiar, porque a nostalgia está sempre à espreita, doidinha pra aflorar dentro da gente.
Dia desses, relendo Caio Fernando Abreu cravei no peito, como tatuagem, a frase: "Antigamente, sempre era melhor, ainda que não fosse". E preciso, inclusive tomar cuidado pra não cair na armadilha de buscar apenas no passado as referências de leitura, visto que a referida crônica do Caio F. foi publicada há 38 anos, em Zero Hora.
O Jê do Zaraba, por exemplo, só de olhar pra ele pode-se cair fácil na roubada de afirmar que ele vive no passado, com sua bandeira fincada nos idos 60 e 70. Ok, ele só compra livros em sebos. Ok, todas as noites ele deixa rolar alguma música do The Rolling Stones — apesar da crítica Luci reclamar em tom de ironia: "Pô Jê, outra vez Stones?". Muitas dessas pistas são falsas, porque o Jê é um dos caras que eu conheço que está sempre atento ao frescor da novidade, sobretudo da cena cultural.
Quem nunca foi nostálgico que atire a primeira pedra. Mas viver dentro dessa caserna pode causar distúrbios graves e irreparáveis. Contudo, invariavelmente, apesar do esforço de tantos em apenas visitar o passado sem aquele peso do desejo de arrastá-lo para o presente, haverá sempre um abençoado que vai propor uma nova versão de uma velha música. E quase todos os artistas caem nessa.
Sabe o The Carpenters? Então, eles venderam mais de um milhões de cópias, muito por conta da versão de Superstar, originalmente composta por Leon Russel e Bonnie Bramlett. Antes dos Carpenters, no entanto, Superstar já havia sido gravada por Joe Cocker. E mais recentemente (na saudosa década de 90) até os alternativos do Sonic Youth, digamos, sem pudor, revisitaram a canção.
Que esse desejo de voltar ao passado nunca nos aprisione na terra do nunca. Porque cada geração tem sua história pra contar. Mesmo sem acesso às redes sociais, pois sequer faz uso de telefonia celular, o Jê se mostra lúcido na arte de flertar com o passado sem perder de vista o presente que alucina.