O caxiense Marcelo Roxo, 39 anos, filho de Paulo Ricardo e Martha Roxo, dedica expressiva jornada de sua trajetória ao estudo do cérebro: mens sana in corpore sano, do latim mente sã em um corpo são. Praticante assíduo de esportes desde jovem, o pai de Giovanna, quatro anos e Francisco, dois, tem a mente inquieta e combina seu tempo entre o atendimento aos pacientes em seu consultório de neurologia integrativa, o convívio com a família e um antigo "vício": estudar. Médico formado pela Universidade de Caxias do Sul; primeiro colocado no concurso para Residência Médica em Neurocirurgia em 2010; Neurocirurgião especialista pela Sociedade Brasileira de Neurocirurgia; autor de dezenas de publicações científicas nacionais e internacionais; professor de Neurologia e Neurocirurgia no curso de Medicina da UCS desde 2016 e de mais de 70 mil alunos em cursos online sobre desenvolvimento de alta performance cerebral. Esse é um resumo do extenso e dourado currículo de Marcelo que, com intensidade e planejamento, se destaca nas redes sociais (@drmarceloroxo) com uma abordagem ainda mais humana e focada no bem-estar.
Qual sua lembrança da infância e que sabor te remete a essa época? Sonhava ser o que se tornou? Lembro de jogar futebol no campinho de areia ao lado do prédio em que eu morava, com meus amigos, até anoitecer. Sentimento bom de infância livre e feliz. Cresci em Porto Alegre e vim com a família para Caxias do Sul somente aos 14 anos, e essa lembrança seria impossível de viver na Porto Alegre de hoje. Lembro também de gostar de estudar e tirar boas notas na escola desde pequeno, o que considero um traço de personalidade: o apreço pelos estudos.
Como é sua relação com os filhos e família? Aplica conhecimentos da neurologia no dia a dia da criação e convívio com eles? Convivo com meus filhos diariamente, embora a profissão exija muita dedicação e tempo também. Adoro passar tempo de qualidade com eles e me dedico a ser um bom pai! Vejo que estratégias neuropsicológicas como o afeto positivo, o desenvolvimento de vínculo conforme a teoria do apego e o auxílio ao crescimento intelectual deles tem espaço e, de forma alguma, torna a criação engessada.
Qual a passagem mais importante da tua biografia e que título teria se fosse publicada? O momento em que alcancei clareza e maturidade suficientes para perceber que toda devoção à profissão, a se tornar um profissional de referência, é sinônimo de ser exemplo para que meus filhos também busquem a excelência um dia. Naturalmente o caminho para a excelência profissional demanda períodos de ausência familiar, mas vejo isso como um propósito muito maior. O título desta passagem poderia ser “seja o que você defende, pois o exemplo arrasta.”
É possível definir objetivamente o que é ser um bom e atuante médico? Sem dúvida: ser bom médico é ser capaz de se atualizar ativamente e absorver os avanços científicos de forma crítica, para aplicá-los a serviço dos pacientes com segurança e ética. Ser atuante é colocar em prática o conhecimento adquirido e ser disponível à comunidade. Afinal, conhecimento só é poder quando colocado em prática!
Por que se aprofundar no estudo do cérebro? Quais as curiosidades da especialidade? Temos a estrutura mais espetacular do universo entre nossas orelhas, com cerca de 86 bilhões de neurônios e mais de 100 trilhões de conexões entre eles (número maior que o de estrelas no céu); que tem um peso correspondente a 2% do nosso corpo, mas que consome 25% de toda a energia gerada. Ao mesmo tempo, ainda buscamos explicações como onde se localiza ou o que exatamente é a intuição (sexto sentido), qual o segredo de gênios como Einstein, Beethoven ou Aristóteles e como fazer uma pessoa incapaz de movimentar as pernas voltar a andar. Tamanhos são o fascínio exercido e o desafio gerado pelo cérebro, que não vejo possível outra atitude senão a de mergulho intelectual profundo nas suas mais complexas estruturas. Para se ter uma breve noção da neurocirurgia, por exemplo, procedimentos com o paciente acordado são comuns, e a anestesia é aplicada superficialmente na cabeça, pois o cérebro mesmo não dói quando cortado: ele não tem receptores de sensibilidade (dor) na sua superfície.
Quando deve-se ir ao neurologista? Quando se tem problemas comuns como dores de cabeça, enxaquecas, esquecimento, insônia ou ansiedade, por exemplo, e se deseja saber qual sua origem e como resolvê-los. Situações mais graves e, felizmente, muito menos comuns, também são causa de consulta ao neurologista ou ao neurocirurgião, como tumores e aneurismas cerebrais.
O cérebro comanda a nossa linguagem, memória e inteligência. Como mantê-lo saudável? Existem 5 pilares principais para promoção da saúde cerebral: movimento (atividades físicas na rotina), sono de qualidade, interações sociais e convívio com familiares e amigos, alimentação funcional e atividades de engajamento (ou treino) cognitivo, como leitura e aprendizagem de novos idiomas. Transitar entre elas de forma natural e contínua é o segredo para manter o cérebro jovem.
O que te destaca entre outros neurologistas? A minha linha de atuação clínica é a neurologia funcional integrativa. A grande diferença para os demais especialistas da área é que eu busco a causa dos problemas a fim de corrigi-la e resolver as situações, ao invés de tratar sintomas e manter pacientes fixos por toda a vida com medicações que, na maior parte das vezes, não são necessárias. Vou dar um exemplo, que por sinal ilustra uma situação que acontece todas as semanas no meu consultório: paciente com esquecimento (de compromissos, nomes, afazeres cotidianos etc.) — na neurologia convencional esse paciente seria submetido a meia dúzia de exames, incluindo alguns de sangue e uma tomografia do cérebro, que provavelmente estariam normais; seria então liberado do atendimento sem orientação apropriada e sem entender bem o que está ocorrendo. Na abordagem funcional integrativa, o paciente é atendido com mais calma, pode falar e tirar todas as suas dúvidas; é realizada uma avaliação com exames complementares para averiguação de possíveis causas como deficiência de vitaminas, nutrientes ou minerais; olha-se com atenção para a relação do cérebro com o intestino (causa presumível de doenças como Parkinson e Alzheimer, por exemplo), corrige-se problemas de sono com hábitos que são conhecidos como “higiene do sono”, além de se orientar o uso individualizado e baseado em evidências científicas de fitoterápicos e de óleos essenciais, entre outras estratégias, que são capazes, em 99% dos casos, de tratar a causa do problema ao invés de acalmar os sintomas apenas. Assim o paciente sai muito melhor do que chegou e não vive refém de inúmeras medicações.
Como se mantém atualizado durante as mudanças e atualizações? Como se adaptar ao novo? Como disse, meu “vício” é ler, estudar e me atualizar constantemente. Acompanho pelo menos as 15 principais publicações científicas da minha área, que são quinzenais ou mensais, e leio artigos científicos todos os dias — literalmente. Tenho um horário na minha rotina, de manhã cedo, depois de me exercitar, dedicado ao estudo e à atualização profissional, fora os demais momentos em que consigo uma brecha para estudar mais. Aprendi a me tornar autodidata, e isso me facilita muito: acompanho cursos internacionais e congressos, e dificilmente algum assunto do momento ou uma descoberta recente são comentados sem que eu já tivesse conhecimento prévio por meio das publicações científicas. Como disse Alvin Toffler, “o analfabeto do século XXI não será aquele que não consegue ler e escrever, mas o que não consegue aprender, desaprender e reaprender.”
Nestes anos de profissão, houve algum momento crítico em que foi preciso superar barreiras? Vários são os momentos que que nos questionamos e vislumbramos bifurcações ao longo da vida. Considero dois momentos preponderantes de inflexão profissional: o primeiro foi quando decidi me dedicar à divulgação de conteúdo online, o que nem sempre é visto com bons olhos pelos colegas, sobretudo na Medicina, que demora muito para assimilar evoluções necessárias; e o segundo foi quando optei por mudar minha linha de trabalho e tratar as pessoas de forma integral, mais completa que o atendimento insatisfatório que é habitualmente ofertado nos consultórios médicos. Essa mudança ocorreu pela minha percepção de que o modelo tradicional é falho, contraditório e ultrapassado e se compromete apenas a “apagar incêndios”, enquanto a abordagem funcional integrativa está engajada em realmente promover saúde e tratar o ser humano como um todo — como deve ser.
Quais perspectivas você vislumbra para os futuros profissionais da área? O cenário médico atual aponta claramente para o crescimento do número de profissionais dedicados ao atendimento integrativo, que ainda é pequeno por se tratar de uma abordagem mais recente. Afinal, tudo que é novo precisa de tempo até ser assimilado pela cultura vigente. Penso que os novos médicos que se dedicarem a esta área e o fizerem com excelência serão considerados diferenciados no cenário atual, em que muitos profissionais disputam poucos lugares de destaque. A premissa é a mesma da minha época de recém-formado: dedicação, capacidade de absorver conhecimento ativamente e com consistência e empatia.
A pandemia do coronavírus trouxe diversas mudanças para o cenário científico e de relacionamento interpessoal, ainda somos afetados por ela? A pandemia foi seguida por uma segunda epidemia: a de problemas de saúde mental. Foi possível entender na prática a importância do pilar para a saúde cerebral que é a necessidade de interações sociais de qualidade. Essa consequência da pandemia ainda é sentida, e será por algum tempo, presumo. Eu atendo semanalmente pessoas que sofrem com insônia, ansiedade, depressão e problemas semelhantes em virtude da época que passamos recentemente. No entanto, ainda que tenhamos passado por um dos momentos mais difíceis da nossa história, há que se salientar ao menos um ponto positivo decorrente do isolamento: a difusão de conhecimento através das mídias sociais e o fato de termos nos acostumado rapidamente a produzir e consumir conteúdos relevantes na rede.
Que lições tem tirado do exercício da profissão? Além das que já mencionei, uma das grandes lições que aprendi é que amizade e coleguismo só podem ser julgados como tais depois que se passa por um momento de inflexão profissional. Tudo deve ser visto como aprendizado, o importante é estarmos atentos e sabermos entender o que a vida nos mostra. Outra grande lição é que somos o resultado das 5 pessoas com quem mais convivemos. Se quer crescer, prosperar, se afaste de quem não é genuíno e esteja acompanhado de quem tem pensamento parecido e vontade de evoluir como você tem.
Como alguém engajado com a comunidade, que lições pode compartilhar sobre trabalho em equipe? Sozinhos somos capazes de evoluir, mas bem acompanhados podemos ir muito mais longe. Veja, o que falei sobre conviver com pessoas que têm pensamentos alinhados e expectativas convergentes é essencial quando se pensa no trabalho em equipe: a maior boa vontade do mundo e incontáveis cabeças pensantes não são capazes de exercer a mudança pretendida caso não haja alinhamento, convergência. Por isso, trabalhar em conjunto é fundamental, funciona como um catalisador de bons projetos, desde que se saiba escolher bem a própria equipe.
Quem foi, ou é, sua grande influência? Meus pais. Por vários motivos, mas principalmente por terem doado seu tempo e parte das suas vidas por mim e por meus irmãos, Maurício e Marco Antônio. Vejo neles características que aprecio demais e busco espelhar hoje, seja profissionalmente, seja na criação dos meus filhos, como superação, doação, força, coragem e empatia.
O que gosta de fazer no tempo livre? Em boa parte do tempo estou com meus filhos, e fazemos tudo que crianças de dois e quatro anos gostam de fazer: vamos a parques, brincamos, viajamos e nos divertimos muito! Gosto de estar acompanhado pela Rafa, minha namorada, sempre que podemos, e nesse tempo adoramos viajar juntos e curtir momentos a dois — geralmente em casa. Às vezes vamos a eventos ou jantares com amigos, mas confesso que depois das 22h preciso dormir, já que acordo às 5h. Então isto não é rotina. A Rafaela Toigo tem uma filha, a Elisa, de oito anos (está de aniversário neste dia 22/05!), que com frequência está junto conosco e é motivo de agito e mais divertimento. Como podem ver, boa parte do meu tempo livre é estar em família. Nos raros momentos em que estou sozinho, gosto de ler livros de ficção e de ouvir alguns podcasts de assuntos diversos (sou curioso nato).
Traço marcante de sua personalidade? Organizado. Sem dúvida. Decidido também.
Gostaria de ter sabido antes... que não sei tudo que imaginava saber. Passamos por diferentes fases na vida, e o fim da adolescência, bem como o início da idade adulta, costumam ser períodos em que nos afastamos das nossas raízes e buscamos mais individualidade. Esse é um momento necessário e natural do ser humano, mas tão ou mais importante é a volta às raízes, que deve acontecer com o amadurecimento. Hoje vejo que inteligente não é aquele que considera saber todas as respostas, mas o que sabe as perguntas certas a fazer.
Um hábito que não abre mão? Me exercitar diariamente.
O que mais respeita no ser humano? Sua individualidade, o livre arbítrio e as nuances das escolhas que cada um faz, sabendo lidar com as consequências.
Cabeça boa é… estar imerso no caos de uma vida urbana agitada, com estímulos vindo de todos os lados, e ser capaz de estabelecer claramente quais são as prioridades — e tratá-las como tais. Além disso, entender que todas as comodidades da vida moderna são úteis e ocupam seus respectivos espaços nas nossas vidas, mas sem esquecer que precisamos nos reconectar com o simples, com pequenos grandes momentos e, mais do que nunca, trabalhar por conexões verdadeiras e sólidas com quem amamos.
Uma cabeça brilhante: Aristóteles. Responsável, em grande parte, pela cultura do pensamento ocidental, que segue firme até os dias atuais. E uma corrente de pensamento é um dos pilares fundamentais de uma sociedade.
Bom para a cabeça: priorizar o sono. A OMS recomenda entre 7 e 9 horas de sono por noite para adultos. Essa atitude é capaz de reduzir o risco de doenças como diabetes, hipertensão, ataque cardíaco, derrame cerebral, câncer e doença de Alzheimer.
Para nunca esquecer: toda a cura que precisamos está dentro de nós. A ciência já descobriu que alimentação adequada, sono reparador, interação social, movimento na rotina e estimulação do cérebro e do pensamento por meio de leitura, desafios e novos aprendizados, em conjunto, são as bases para não termos doenças temidas como Alzheimer, derrame cerebral, infarto do coração, câncer e diabetes. O segredo é olharmos para dentro e nos permitirmos viver uma vida plena e feliz sem estragar o que nos foi dado de presente: nosso corpo — e nosso cérebro.
Como alinhar cabeça, corpo e mente? Organizando bem a rotina. Sugiro dividí-la em 3: de manhã cedo, logo ao acordar, expor-se à luz natural (mesmo em dias nublados) por pelo menos 10 a 15 minutos. Nas primeiras 8 horas do dia, em que o cérebro produz mais substâncias estimulantes como a dopamina, preferir atividades mais intensas, como a prática esportiva, e uso de bebidas estimulantes como café e chimarrão, para quem tem o hábito. A partir do meio da tarde até a hora de dormir, quando a serotonina aumenta no cérebro e nosso corpo começa a relaxar, dar preferência para atividades mais tranquilas, como estudar, meditar ou até mesmo caminhadas leves e curtas. Por fim, evitar luz branca à noite e exposição a telas pelo menos 1 hora antes de dormir. Isso significa fazer o básico em termos de higiene do sono e cuidar bem do cérebro e do corpo. Fazendo isso, você ganha anos de vida com qualidade.