Confesse: você se considera totalmente do bem. Todos pensam assim a respeito de si próprios. Talvez até quem está na cadeia pagando por um crime hediondo. É difícil estabelecer um juízo crítico quando nos falta distanciamento. Resistamos a essa tendência, sem dúvida imatura. A verdade é que somos uma mescla, um pêndulo inclinando-se ora para um lado, ora para o outro. Ao dizer isso, evito fazer um julgamento de valor afirmando sermos seres potencialmente ruins. As circunstâncias moldam e revelam com clareza os comportamentos. A raiva, constantemente, faz vir à tona sentimentos que julgávamos não fazer parte da nossa natureza. Muitos nem se confrontam com situações de excessiva violência para reagir com destempero. Ninguém sabe como vai se portar, senão diante de circunstâncias concretas. Sem contar o fato de mudarmos tanto com o passar dos anos, a ponto de percebermos que a agressividade foi abafada pela necessidade de agir segundo os códigos de civilidade. Mas ela está aí.
Vamos lembrar um exemplo banal. Você está no trânsito e um motorista invade a frente do seu carro. Toca a buzina e ele responde com um gesto obsceno à sua tentativa de lhe mostrar o quão equivocado estava. É vital ter um bom equilíbrio emocional para ignorar isso e ir em frente, plácido e sereno. Mas há uma maneira eficaz de se proteger desse veneno. Basta entender que nada disso foi feito contra a sua pessoa. Provavelmente o tresloucado cometerá mais uma infração logo adiante. Tento pôr em prática essa lição. Acesso meu modo zen de ser e, no máximo, partilho minha indignação ao chegar em casa. Acredite, é péssimo despender energia em algo que daí a cinco minutos será aconselhável esquecer. Aliás, é extremamente indicado não se contaminar por essas miudezas. A vida é maior, muitas vezes descobrimos tardiamente.
Guardamos a sensação de estar indo em sentido contrário aos princípios que nos regem. Distinguimos o caminho correto a ser seguido, mas na hora “h” parece que estamos sendo empurrados na direção oposta. Admitamos: anjos e demônios povoam o espaço interior de cada um. Essa história de terceirizar a responsabilidade, achando que só os demais são maus, deveria ser desconsiderada ainda na adolescência. Mas para os padrões atuais, ela se estende excessivamente e daí... O segredo para uma boa conduta é deixar de lado a condescendência e assumir: precisamos trabalhar incessantemente para nos tornarmos melhores.
Nada provoca tão forte alegria em mim do que vencer alguma má tendência. Um hábito deplorável, pequenos e persistentes vícios, certa resistência em abandonar algumas prisões mentais, roubando a autonomia para agir. O processo de libertação pode ser longo, mas é bastante prazeroso quando chega ao final. Coloque uma lupa sobre o real e, com honestidade, admita: aqui acertei, ali errei. Este é o certificado de termos chegado à idade adulta.