Repare: a maioria dos nossos medos não encontra sustentação na realidade, só na imaginação. Os antigos filósofos gregos nos alertavam que sofremos bem mais pelas coisas que não acontecem, ao invés de direcionar a capacidade e inteligência tentando combater o que de fato nos impede de viver bem. Até as pessoas mais equipadas emocionalmente se entregam a essa armadilha. Somos seres atrelados ao devaneio e mesmo quando a razão nos diz serem certos temores da ordem do improvável, gastamos preciosas horas alimentando-os com uma angústia estéril. Dar-se conta desse desperdício, da incapacidade em organizar a existência a partir das ofertas do momento, acaba nos alijando de muitas instâncias felizes. No outro extremo, ancorando a capacidade de estar colado no presente, está a chave para abrir a porta rumo a uma consciência mais plena. Isso parece estar no centro de quase todas as religiões. O tempo de cada um aqui é curto, mas suficientemente longo para extrair dele valiosas lições para chegarmos à maturidade um pouco menos tolos. E fazer isso pelo simples prazer de estarmos nos moldando como seres humanos melhores, não necessariamente para investir numa possível eternidade.
Se você fizer um balanço do seu passado, provavelmente irá constatar isso: poucos dos seus temores se concretizaram. Claro, precisamos fazer uma distinção. A capacidade de especular sobre o futuro nos permitiu evoluir e chegar até aqui dominando as outras espécies. Devemos evitar é a permanência num perpétuo estado de temor, impedindo-nos de aproveitar o instante fugidio. No terreno das perdas, ficamos traçando caminhos altamente fantasiosos. Se você assistir à excelente série This is Us será surpreendido com vários exemplos. Um dos personagens centrais, ao chegar à maturidade, faz um balanço de sua juventude e descobre ter se desviado de uma vida mais orgânica e feliz pelo simples fato de carregar dentro de si tantos temores infundados. Devo confessar, também projetei inúmeras situações totalmente utópicas. E isso parece estar tão incrustrado em nosso DNA que a experiência e a repetição desse modelo parecem nos ensinar pouco, infelizmente. Esse deslocamento temporal gera angústia e sonega um fato evidente: a incerteza é companheira fiel. Mas nem por isso precisamos nos angustiar pelo que foge do controle. Porém, vá dizer isso para si mesmo quando está imerso em “preocupações legítimas”.
Persistir na supressão desse modelo de comportamento pode ser uma boa saída. Interromper os processos mentais que nos atrelam a atos compulsivos. Dá bastante trabalho, mas os resultados costumam ser compensadores. Entretanto, poucos estão dispostos a fazer esse investimento, pois exige longas reflexões sobre os condicionamentos e a tarefa de se desviar de determinados circuitos mentais. Mas vale a pena. Ou há algo melhor do que trocar o sofrimento hipotético pelo pleno usufruto do agora?