Uma amiga relata estar passando por uma crise em seu casamento. O marido, parceiro exemplar, pai dedicado, acomodou-se dentro de uma relação que muitos considerariam boa, mas inegavelmente morna. Mesmo se as coisas não estão ruins, azedas, podem situar-se longe do satisfatório. A convivência excessiva anestesia o entusiasmo e vai-se em frente no piloto automático. Se os dois aceitam essa mecânica (comum a tantos), está certo. Difícil continuar se há uma dissonância, pois se torna absolutamente nociva. Para a maioria dos homens basta haver rotina. As mulheres, de um modo geral, são entusiastas do novo, evitando assim a estagnação emocional. É corriqueiro viverem longos anos juntos; porém, em planetas diferentes, por assim dizer. A presença de filhos pode anular (ou retardar) o rompimento. No entanto, já é sabido: eles dificilmente servem de salvo-conduto quando o amor começa a se esgarçar. Pondere: há boas soluções para esse tipo de estremecimento, sendo necessário ambos caminharem unidos, no mesmo ritmo. Terapia pode ser uma delas, caso haja comprometimento recíproco. Convenhamos, se você já passou por isso, sabe que o previsível roteiro é esse: elas querem, eles resistem.
Essa amiga comenta das dificuldades em entabular um diálogo claro e objetivo com seu companheiro. A pergunta recorrente dele é essa: “Está te faltando algo?”, atribuindo todo e qualquer contentamento ao mundo material. E, acentua, nas tentativas de aprofundar a discussão, a criatura sai pela tangente. O amor às crianças, a estabilidade financeira e uma sexualidade morna preenchem os quesitos para a vida seguir sem grandes sobressaltos. Devemos almejar além. O problema, segundo o seu desabafo, é o espanto no rosto do companheiro ao verbalizar alguma queixa. Isso, naturalmente, sem se levantar do sofá, mantendo os olhos fixos na TV. Tipicamente masculino. Enquanto externa sua aflição em sofridas sessões com seu psicólogo, ele se fecha em copas. O resultado é a incomunicabilidade, sempre tão daninha para um itinerário afetivo a dois. Tudo que se torna consciente e passa por um processo de análise costuma apresentar frutos positivos. A linguagem, esse maravilhoso instrumento nos distinguindo dos outros animais, normalmente se revela salvadora.
Acompanho com renovado interesse as observações feitas por essa pessoa que deseja simplesmente isso: converter as palavras numa ponte para unir-se novamente a esse ser presente há quase vinte anos. Parece simples. Entretanto, romper a resistência em analisar o que está ruim é bastante complexo. De onde se extrai essa conclusão: com o passar do tempo, as diferenças de gênero se evidenciam mais ainda. A solução é transformar a comunicação em um laço, unindo mundos díspares em busca da concretização de um projeto em comum.