Gilmar Marcílio
Conheço uma pessoa muito, mas muito querida. Prezo tê-la por perto. Só que fala compulsivamente. Parece uma metralhadora verbal. Os assuntos aos quais se refere são agradáveis, envolventes até. Ela é sagaz e, quando consegue sair do cercadinho, faz análises pertinentes, argutas. É comum as conversas começarem assim: “Gostaria da tua opinião sobre essa situação bem incômoda.” Porém, segue-se um monólogo com duração indeterminada. No final do encontro, sinto-me exausto. Sim, estamos todos carentes e implorando por ouvidos alheios para aliviar a tensão causada por dias de estresse e excesso de trabalho. Mas, sinceramente, acho esse tipo de catarse sem resultado, fadada a esgotar o interlocutor e dificilmente capaz de resolver qualquer conflito. Entretanto, venho exercitando a tolerância, absorvendo com real interesse o que mobiliza tanto a pessoa atormentada, ora diante de mim. Valho-me de um recurso: criar uma espécie de bolha para me proteger da contaminação emocional. Fico presente, com o pensamento atento, mas evito me impregnar com o drama narrado. E, depois, já devolvido ao silêncio, empenho-me em entender as razões de tal comportamento.
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