Você faz de tudo para acreditarem no que está mostrando. Escolhe um ângulo favorável, cuida da luz, repete a foto quantas vezes forem necessárias. A tela do celular transformou-se num espelho edulcorado da sua existência. Se for possível provocar uma “distorção positiva“, maravilhoso. Imagem, é preciso poli-la ao máximo. Parecer tem mais importância do que ser. É apenas o Instagram, mas para muitos, um caso de vida ou morte. Chegamos a esse ponto: trata-se de algo além da vaidade, uma séria disfunção emocional. Viciamo-nos em recompensas. Ouvi na semana passada uma analogia interessante. Num podcast de discussão sobre os efeitos da exposição excessiva nas redes sociais e na maneira como queremos nos apresentar, um analista de conteúdo disse estarmos vivendo algo já mostrado no livro O retrato de Dorian Gray, escrito por Oscar Wilde no final do século 19. A personagem faz um pacto com o diabo e seu envelhecimento só se manifesta em um quadro escondido a sete chaves no sótão da casa. Para a sociedade, ele continua eternamente jovem, imprimindo uma expectativa de perfeição inalcançável. Estamos buscando no mundo virtual algo bem parecido com isso. Oculta-se o que não nos soa bonito e cria-se uma utopia particular.
Fico conjecturando: como funcionará em um adolescente? Se para os adultos, com maior capacidade de discernimento, gera confusão, muitas vezes beirando o patológico, deve ser bem pior para eles. Nesta idade a competição é feroz, é imprescindível revelar-se o melhor em tempo integral. Enfocado no campo da estética, escamoteando o que antigamente se chamava de crescimento pessoal. Com certeza a nova geração se libertou de uma série de preconceitos em variadas áreas. A palavra liberdade é defendida com ferocidade, adquirindo status de mandamento. Excelente. Só considero equivocado esse desejo de construir uma persona pública tão afastada da expressa em nosso dia a dia. Sem contar isso: jovens ou velhos, estamos nos tornando uns exibidos. Viajar é sinônimo de postar, passo a passo, esses momentos pertencentes ao âmbito do privado, pois só a quem os vive interessa. Martelamos a toda hora: estou feliz, tenho dinheiro, saúde e bom gosto.
Somos filhos dessa euforia que nos faz habitar, com ilusão, uma pequena aldeia. Caem as distâncias e entra no lugar uma intimidade forçada. Todos próximos – e distantes. Faço essa crítica a mim mesmo. Preciso de mais interioridade, silêncio, leitura. A mente cheia de informações rouba o lugar do conhecimento real, fruto de pesquisa e estudo. Vamos baixar a cabeça, diminuir o ritmo, registrar na alma os acontecimentos. Estamos correndo o risco de banalizar o bem e o mal. Renovo a promessa de me abastecer de encontros e abraços, num espaço concreto onde também há a perda, a dor, a falha. Desconheço outra forma de sermos verdadeiramente humanos.