Gilmar Marcílio
Já a algum tempo tenho me forçado a jogar luz sobre conceitos sedimentados pelo hábito ou pela percepção advinda de um conjunto de normas sociais. Na maioria das vezes essas opiniões nem são nossas, mas fruto de uma concepção coletiva à qual aderimos sem grandes questionamentos. Na área da sexualidade, sobretudo, a noção da discordância (ou o seu contrário) deveria merecer constante revisionismo. Dentro dessa miríade de possibilidades, nunca me debrucei para pensar sobre a transexualidade. Tão distante do meu cotidiano, por não conviver com ninguém que apresenta esses atributos físicos e psíquicos, sequer me dispus a entender um universo tão cheio de nuances, riquezas e, seguidamente, sofrimentos. Destaco essas palavras por me parecerem se aproximar de uma realidade comum a quase todos. Em primeiro lugar, há uma espécie de fluidez do erotismo nos obrigando a rever o sentido de feminino e masculino. Algo distanciado da visão estanque do significado intrínseco do que é um homem ou uma mulher. E, em consequência, como neles se situa o desejo. Normalmente ele permanece sob uma aura de mistério, pois os move a terem experiências ultrapassando a esfera do, digamos, convencional. Isso joga luz sobre o que nos define em um campo tão vasto e rico em possibilidades. À parte isso, ouvir a complexa experiência de quem passou por esse processo de transição nos força a olhar a questão com menos severidade, forjando o entendimento sem os véus da ignorância e da resistência ao diferente. Mas, acima de tudo, constatando: cada um de nós pode, eventualmente, se desdobrar além das suas características biológicas de nascimento. Nasce aqui uma dimensão de liberdade tão definidora da nossa época.
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