Não sou um homem urbano. As grandes cidades me interessam para me suprir de arte e encontros. Mas gosto é de retornar ao silêncio, ao espaço aquietado da chácara onde moro. Essa dialética se constitui em um arco de bem-aventurança no meu dia a dia. As caminhadas diárias, sorvendo os aromas da manhã nascente, fazem parte de uma rotina que desejo manter enquanto o corpo tiver força para tal. Coloco em prática uma cultivada disciplina, evitando que o mau tempo ou as temperaturas baixas me afastem deste belo propósito - balizador da saúde emocional. Embora faça o mesmo trajeto, a geografia parece mudar constantemente, pois cada estação borda a natureza com matizes diferentes. Tento gastar esse período de liberdade e ausência de compromissos exercitando o corpo e nutrindo a sensibilidade com música e boas conversas que estabeleço comigo. São duas horas de solidão desejada, encantado com o cenário externo, mas observando e analisando a mim mesmo, numa espécie de terapia na qual tento ser meu guia na construção de uma identidade mais verdadeira. Retorno à casa com leveza na alma e um doce cansaço no corpo. Olho ao redor, para a sucessão de verdes em seus variados matizes e constato algo tantas vezes despercebido: estou vivo e encharcado de contentamento.
Ver as flores bordando os canteiros que delimitam o jardim é outra felicidade a qual me entrego. As turbulências cedem seu lugar e tudo clama por serenidade. O vento, o sol, a chuva, o crepúsculo, os sapos cantando no charco à noite, os grilos... é difícil abarcar tanta beleza. É como se o espírito fosse convidado para uma festa de duração infinita. Para além de simplesmente vivenciar essa experiência, tento espalhar entre os amigos essa rica possibilidade gravitando ao nosso redor. O que chamam de mundo interior tem, creio, a cor desses cenários repletos de seivas adormecidas e depois explodindo numa interminável profusão de elementos poéticos. Como sou mais contemplativo do que prático, resisto em desenhar a existência com o lápis da utilidade. Um dia ganho parece-me ser aquele mais envolto em contemplação. Sento numa pedra morna e acaricio longamente nossos cães. O pelo escorrendo em meio aos dedos me acalma e é como se eu também pertencesse a um universo onde o instinto dança ao redor da razão.
Essa vigília me abastece para os dissabores a serem enfrentados. Os jasmins florescendo são como uma lufada de infância, quando pais e tias cumpriam suas tarefas e eu, imerso na imaginação, ia armazenado alegria para a idade adulta. E chegando ao fim dessa jornada, carregarei na algibeira lembranças das paisagens percorridas com o coração sempre pronto à surpresa de ser. Sinto certa estranheza se alguém me diz sentir-se amuado só por estar chovendo ou ter esfriado. É ter escassa sensibilidade para apreciar os fenômenos que alimentam a vida. Minha religião é reverenciar a Natureza.