Gilmar Marcílio
Épocas dramáticas para a humanidade, como a vivenciada agora, provocam uma profunda reavaliação de valores. Alguns se sustentam; outros esvanecem tão logo a calamidade perde força e se instaura uma percepção de reajuste da realidade. De qualquer maneira, muitos resíduos comportamentais habitam em nós como um sinal de alerta para o futuro. Como podemos ler a radiografia exposta e clamando por entendimento? Certamente, o cuidado de si ganhou nova dimensão. Andávamos pelas ruas na certeza da permanência, como se a estabilidade estivesse inscrita no mármore. Hoje, fragilizados pela contemplação de tantas mortes, voltamos a perceber: tudo repousa sobre a areia. Os que aderem a uma visão catastrófica, vaticinam tempos sombrios ainda. Apesar das evidências escurecerem a esperança, alinho-me aos que acreditam estarmos extraindo valiosas lições. Vivíamos, até então, em um mundo de desejos fartamente satisfeitos a um piscar de olhos. Felicidade, pensávamos, é somar, acumular, progredir. Ir diante. Mas, repentinamente, fomos obrigados a voltar nosso olhar para o lado de dentro. A negociar conosco. Houve certo nivelamento entre as classes sociais: o mais rico e o mais pobre, ambos já não puderam explorar fronteiras além do âmbito doméstico. E se algo passava batido, pelo enfraquecimento da rotina, voltou a fazer parte da lista de itens essenciais.
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