Falamos muito em compaixão, generosidade, amor. Mas esquecemos de acrescentar, entre os alimentos afetivos, a alegria. E ela é absolutamente revolucionária. A medicina já comprovou: pacientes melhoram antes se aumentam as endorfinas no cérebro. A dor, acanhada, retira-se ao recusarmos manter o olhar de pessimismo e resignação. E aqui não se fala de acontecimentos bombásticos, rivalizando com explosões de felicidade. Sejamos modestos. O grande se esconde nas dobras de uma terça-feira qualquer, de uma hora pálida. Acontecimentos ocupando lugar discreto na varanda da nossa alma. Penso no meu contentamento ao preparar o almoço, partilhar com amigos alguma passagem de filosofia... gostos em comum descobertos quase ao acaso. Ocupamo-nos das manchetes, ignorando que o miolo, o essencial, costuma estar no rodapé das coisas. Se é possível falar em algo bom resultante da pandemia é ela ter nos ensinado a olhar diferente para o mundo. Ao menos para quem garimpa em vários terrenos o ouro dos seus dias. É belo demais ver o rosto das pessoas iluminado só pela doçura de existir! Pode durar breve tempo, mas reverbera mais do que se imagina. E desarma, deixando lasso o ímpeto de brigar, de demarcar território em benefício próprio. Talvez por isso raramente vemos alguém aquinhoado com bastante poder esbanjando sorrisos. Os compromissos os invalidam, sombra mal disfarçada de uma vida carregada de peso.
Eu sei, anda meio difícil aderir a visões otimistas. Tudo parece nos empurrar para baixo. Mas exatamente por essa razão é preciso encontrar em si forças para cavar, cavar insistentemente. Desconheço fórmulas. Meu jeito é diferente do seu. Tenho lembranças, memórias e vivências que vão desenhando outra geografia, particularíssima. Porém, é certo: a seriedade excessiva brutaliza, anoitece o espírito. Se o riso escasseou, ao menos façamos esse esforço para expandir os pulmões em busca de ar puro. Há quem entuba a si mesmo, provocando asfixia nas próprias emoções. Confundem ser adulto com fazer cara de competência e entendimento constantemente. Ando interessado em “desver”, à moda do poeta Manoel de Barros. Cuido com zelo do lado de dentro: empenho-me em eliminar rancores, melancolias mal rastreadas, raiva e inveja. Consciente de ser um aprendizado sem fim, guardo o mérito de prestar renovada atenção. Canso-me depois de conversas graves, inúteis. Gosto do difícil, mas só como desafio para o início do jogo. Depois, desconsidero regras e manuais e sigo em obediência à intuição e ao direito de começar de novo se assim for necessário.
Alonga tua vontade, rememora o que foi abandonado e te impulsionou a não desistir. Uns dançam, outros vociferam. O ideal é esperar a maré baixar. É quando os tesouros se tornam manifestos.