Gilmar Marcílio
Falamos muito em compaixão, generosidade, amor. Mas esquecemos de acrescentar, entre os alimentos afetivos, a alegria. E ela é absolutamente revolucionária. A medicina já comprovou: pacientes melhoram antes se aumentam as endorfinas no cérebro. A dor, acanhada, retira-se ao recusarmos manter o olhar de pessimismo e resignação. E aqui não se fala de acontecimentos bombásticos, rivalizando com explosões de felicidade. Sejamos modestos. O grande se esconde nas dobras de uma terça-feira qualquer, de uma hora pálida. Acontecimentos ocupando lugar discreto na varanda da nossa alma. Penso no meu contentamento ao preparar o almoço, partilhar com amigos alguma passagem de filosofia... gostos em comum descobertos quase ao acaso. Ocupamo-nos das manchetes, ignorando que o miolo, o essencial, costuma estar no rodapé das coisas. Se é possível falar em algo bom resultante da pandemia é ela ter nos ensinado a olhar diferente para o mundo. Ao menos para quem garimpa em vários terrenos o ouro dos seus dias. É belo demais ver o rosto das pessoas iluminado só pela doçura de existir! Pode durar breve tempo, mas reverbera mais do que se imagina. E desarma, deixando lasso o ímpeto de brigar, de demarcar território em benefício próprio. Talvez por isso raramente vemos alguém aquinhoado com bastante poder esbanjando sorrisos. Os compromissos os invalidam, sombra mal disfarçada de uma vida carregada de peso.
- Mais sobre:
- destaque colunistas