A ativista americana Glória Steinem passou incontáveis anos lutando pelos direitos e pela dignidade das mulheres. É exemplo máximo de grandeza e coerência em um mundo dominado pela falaciosa superioridade masculina. O filme As vidas de Glória retrata sua existência totalmente focada na conscientização da violência sofrida pelo equivocadamente chamado sexo frágil. Vemos as tantas humilhações a que foi submetida e a brutalidade de poderosos cientes de seus privilégios, que não admitiam o questionamento do papel sedimentado pela tradição milenar. A agressão física foi e ainda é presença constante, sobretudo quando chefetes ordinários se valem de seus cargos para abusar do corpo feminino. Dos movimentos de libertação testemunhados nas últimas gerações, considero o #MeToo um dos mais importantes. Após tanto silenciamento arbitrariamente imposto, finalmente passou-se a denunciar em praça pública o que antes acabava, tristemente, por envergonhar as vítimas. Posso até me esforçar e entender os motivos de certos atos distantes da minha prática, menos o assédio e, horror dos horrores, o estupro. Como se recuperar depois de subjugada a tal ato abominável? Talvez isso só encontre paralelo no crime de pedofilia, passível de prisão perpétua, no meu entendimento.
Na história da humanidade, esse grito de revolta é recente. Até algumas décadas, parecia impossível que qualquer manifestação tornasse claro o quanto se perde se os vínculos são calcadas na submissão. Pois nós, homens, somo os maiores beneficiários dessa mudança experimentada agora. Relações igualitárias tendem a ser saudáveis do ponto de vista emocional. Como alguém pode se comprazer em afrontar e tornar subserviente quem diz amar? Apesar dos discursos, da legitimação de direitos pertencendo a toda a raça, sem a exclusividade de um gênero, há muito a caminhar. A paridade no âmbito profissional e doméstico não encontra assento satisfatório na realidade. A escritora espanhola Rosa Montero, em admiráveis capítulos biográficos, contou a trajetória de verdadeiras heroínas apagadas ou reduzidas a rodapé no contexto das grandes conquistas merecedoras de reverência. Resta uma nota de lamento ao olhar em retrospecto e constatar tanta dor e desrespeito por parte de criaturas que cometeram a ousadia de revelar o óbvio. Nosso propósito último deve recair sobre o entendimento e a aceitação, jamais a exclusão ou a arrogância ditadas pela condição meramente biológica.
Portanto, está na hora de revestir de naturalidade os espaços ocupados por estes seres marcados por tantas batalhas impressas na carne e na alma. A razão enfraquece se deixarmos de perceber a postura corajosa e desbravadora de grupos reivindicando autonomia e expressão próprias. As grades impostas nos colocam, indiscriminadamente, num cárcere que isola e, não raro, mata.