Estamos nos tornando - talvez provisoriamente, mas na quase totalidade - animais dóceis e domésticos. Muitos sequer tinham chegado perto de um fogão e a expressão “máquina de lavar” despertava uma vaga reminiscência em sua vida. A possibilidade de passar um pano no chão parece menos absurda do que há meses atrás. O que nunca havia feito parte do cardápio cotidiano, adquire certa graça para alguns; para outros, sua cota pessoal de sacrifício, em busca da manutenção da ordem neste espaço, até recentemente, representativo do lugar para descansar das fadigas. Os historiadores do futuro certamente farão o registro dessa estranha época em que a casa passou a ter uma perspectiva salvadora, como se tivéssemos voltado à belicosa Idade Média, quando os cidadãos a entronizaram como o esteio, a segurança contra os perigos rondando lá fora. Esse sentimento pode ter se intensificado agora, mas está longe de ser inédito. Sempre fiz o elogio do sagrado nestes templos (modestos, para tantos; suntuosos, para alguns); proteção física e da nossa interioridade. Ao ver mendigos na rua, a maior tristeza é saber que não têm para onde retornar. Desconhecem a bela expressão criada por Virgínia Wolf: “um teto todo seu”. O conceito de liberdade ganha significado ao fecharmos o quarto para descobrir um mundo dentro do mundo.
Opinião
Gilmar Marcílio: nossas casas
Antes de reclamar por estar tantas horas consigo ou com quem escolheu para morar, lembre: você é um afortunado
Gilmar Marcílio
Enviar email