No belíssimo filme francês “O melhor está por vir”, uma das personagens diz, num discurso fúnebre, ao falar sobre um ser que lhe fora muito caro: A amizade tem algo carente no amor: a certeza. Senti-me profundamente tocado por essa afirmação. Nestes dias de abraços sendo uma reminiscência, não um gesto usufruído à larga, cabe refletir sobre a importância (a necessidade, mesmo) de termos ao lado alguém que nos compreenda e com o qual partilhamos alegrias e dores. Estou longe de desconsiderar aqui as criaturas com as quais vamos estabelecendo, ao longo da vida, pactos de comunhão amorosa. Precisamos desses suportes para evitar de nos abastecermos só do nosso eu. Mas, acima de tudo, o nutrir dos contatos está inexoravelmente ligado à presença de almas benfazejas, deixando-nos a convicção de sua permanência sempre próxima, independente das circunstâncias e do estado em que nos encontram emocionalmente. Vejo nelas a possibilidade de burilar os desacertos. Pois cabe aos mais verdadeiros sinalizar quando o caminho seguido flerta com os abismos. Vale lembrar: os amantes estão cercados pela dúvida, pois o desejo de posse e exclusividade assim o exige. Anda-se sobre uma tênue corda e perder o equilíbrio é extremamente fácil. Na solidez de um relacionamento construído com confiança e serenidade, sem o ciúme espreitando cada ato, percebemo-nos aquinhoados, habitando um mundo sugestivamente quase perfeito.
Na minha velhice, provavelmente conseguirei extrair felicidade acessando a memória de períodos partilhados com homens e mulheres que chegaram perto de mim mansamente e aí se instalaram, sem nada pedir. Estarei sonhando com o ideal? Abasteço-me, no entanto, do testemunho fornecido pela própria existência. Em maior ou menor grau, somos todos carentes. Gregários, buscamos no outro uma afirmação de nossa identidade. Um ouvido atento, colo nas horas de aflição, contentamento potencializado se dividido com quem nos é caro. Os amigos não fazem parte da ordem das contingências: sabê-los perto nos acalma, como se qualquer adversidade pudesse ser vencida de mãos dadas com quem se revela uma parte de nós mesmos. Na morte de seu companheiro intelectual Étienne de La Boétie, o filósofo Michel de Montaigne sentenciou: Éramos uma só alma dividida em dois corpos. Essa expressão ganha um sentido profundo ao ser experimentada. Mesmo a linguagem, embora precária, dá uma compreensão da força e da magnitude ante a ideia de por ela nos considerarmos abençoados.
Se você está sofrendo pelo distanciamento, mantenha pulsante a familiaridade com esses irmãos, pois tantas vezes têm um valor que ultrapassa o da consanguinidade. Cada um é vital para nossa sobrevivência. Eles nos imunizam contra a tentação de desistir.