Perdas doem muito. E a pandemia nos entrega um rosário inesgotável de perdas, vidas perdidas antes do tempo. Essa é a síntese cruel dos efeitos da pandemia, que desmonta aquele argumento simplista de que todos vamos morrer um dia. Claro que sim. Só não precisa ser antes da hora. E quanto ocorre, uma perda está materializada.
São pessoas que fazem falta. No caso do Brasil, até agora, já são 267 mil vidas que fazem falta. No caso de Caxias do Sul, rompemos a barreira das 500 vidas perdidas. É uma hecatombe. Perdas são sentidas. O sentimento da perda traduz o impacto pessoal de uma experiência dolorida, porém profunda, momento único na vida de quem perde, que deve ser experimentado na sua intensidade, pois marca a existência, homenageia uma trajetória que chega ao fim, empresta amparo e faz crescer. Algo bem diferente do “chega de mimimi” recomendado por nosso presidente.
São momentos doloridos, porém momentos a serem vividos e experimentados, o mais triste é que de forma antecipada. Uma racionalização possível para a hora delicada é a compreensão de recuperar e homenagear os bons momentos e a trajetória da vida que se vai.
Objetivamente, é a hora da partida, mas amparada no reconhecimento, nas boas vivências e lembranças, na certeza de que elas ficarão retidas como conforto na saudade especial. Ainda assim, será uma perda antecipada, muitas vezes sem leito de UTI nem respirador, e fica mais difícil se conformar.
Enfim, há um roteiro para lidar com as perdas. É uma experiência, no entanto, que não passa pela cabeça do exército que, no pior momento da pandemia, segue a se aglomerar e não usa máscaras, liderado pelo presidente. É inacreditável que a lógica elementar da expansão do contágio, que pode levar a perdas dos mais queridos, não frequente o raciocínio dos soldados e capitães desse exército. Em outros tempos, jovens assumiam a rebeldia contra as injustiças. Agora, parece ser contra a lógica e as evidências, entendido tal comportamento como um ato de rebeldia às orientações da ciência. Alguns organizam o raciocínio para negar o que acontece nos hospitais, em outros parece haver um curto-circuito nos labirintos mentais, ou encontram-se momentaneamente desligados das noções de consequência. Não dão importância a perdas ou são incapazes de compreendê-las, ou ainda não as experimentaram.
A poesia pode amenizar nessa hora. “Não sei por que você se foi / Quantas saudades eu senti / E de tristezas vou viver / E aquele adeus não pude dar”, traduz Tim Maia, uma música apropriada para nossos dias, quando, em muitos casos, não é possível dar adeus. Tristezas têm seu lado bom. Perdas fazem parte. Só não precisam ser antes da hora.