Uma das minhas questões mal resolvidas com o chamado “novo normal” é que a forma como se fala desse “novo normal” parece excluir o “velho normal”. Provavelmente nem seja essa a intenção de quem se entusiasma com o “novo normal”, e nem isso ocorra de fato, mas fica parecendo um descuido com o “velho normal”. Essa é uma triagem necessária, como em tudo na vida, para se eliminar eventuais “polarizações” – outro conceito que se instalou por aí há algum tempo. Há coisas boas no “novo normal”, bem como também há no “velho normal”, e convém enfatizá-las, para que uma concepção não se imponha avassaladora sobre a outra. A ponto de subestimar, ofuscar ou deixar de reconhecer aspectos importantes.
Creio que haja alguma dose de consenso: queremos de volta muita coisa do “velho normal”. “Dias melhores verão”, diz o bordão publicitário de uma marca de cerveja, um dos melhores dos últimos tempos. Para ajudar na travessia da pandemia, tenho buscado refúgio na produção musical dos Anos 80, que me diz respeito, e que bênção! Essa inclinação pode ser percebida ao mais atento em títulos de crônicas recentes neste espaço, que fazem a referência explícita. E, antes de uma “reinvenção” da minha parte, tem sido uma redescoberta, que espero ter resgatado para ficar, para ter outra vez por companhia. Não serei eu a dizer que “revisitei” a época. Há uma certa lógica em ir atrás daquilo que tem a ver com a essência de cada um. Em geral, no entanto, nos descuidamos disso, terrivelmente.
Foi assim, neste cuidado com a expectativa pelo retorno de bons hábitos do “velho normal” – sim, há bons hábitos no “velho normal” –, em combinação com esse mergulho nas músicas dos Anos 80, que cheguei a uma delas, que na verdade é de 79, e nem é das mais conhecidas do poeta Belchior. Mas a composição me emociona – letra, espírito e melodia – de forma muito especial. O nome é Tudo outra vez, bastante sugestivo para o momento. É uma boa síntese. Belchior diz estar pronto para viver “as coisas novas, que também são boas” – seria o “novo normal”. Mas também “as praças cheias de pessoas” – ah, o “velho normal”...
Se bem que, por aqui, há praças cheias de pessoas neste nosso distanciamento social capenga. Mas, em tempos ditos normais, elas ficam cheias de pessoas que apenas cruzam pelas praças, ou então outras estão condenadas ao eterno abandono, como a Praça da Bandeira. E poucas cumprem adequadamente a função, como a do Jardim América. Praças e parques não devem ser substituídos por redes sociais, pois promovem redes sociais reais.
Quando for possível, que venha, sim, tudo outra vez.