Às vezes, uma notinha discreta num canto do jornal dá a real dimensão das mudanças geopolíticas e econômicas no mundo. Se antes esse xadrez entre potências mundiais parecia algo muito distante do dia a dia de uma pacata cidade do interior do Rio Grande do Sul, hoje nosso Estado é sem dúvida um quadrado importante nesse tabuleiro.
Já fazia tempo que a Cooperativa Languiru passava por apertos financeiros segundo os boatos que corriam soltos no mercado. Infelizmente, não era só boataria: as dívidas com credores e com os próprios cooperativados tornaram-se impagáveis. No momento em que o bolso sofre e a carestia bate à porta, é difícil julgar quem faz vista grossa ao dono da mão estendida. Em assembleia realizada recentemente em Teutônia, os sócios da cooperativa autorizaram que a direção prossiga com o protocolo de intenções firmado com duas empresas chinesas.
O mais interessante nessa jogada é que os chineses deixaram bem claro que têm um interesse específico nos segmentos de aves, suínos, bovinos e rações, ou seja, proteína. Nunca foi segredo que, para alimentar 2 bilhões de pessoas, a China jamais poderia contar apenas com o que é produzido em seu território. O Rio Grande do Sul, nesse sentido, é um lugar muito, mas muito atraente. Portanto, é totalmente compreensível o exercício do já famoso soft power – ou “poder suave” – aqui em terras gaúchas.
Para quem nunca teve interesse ou achou que não precisava se interessar pelo assunto, o soft power chinês é uma estratégia, a meu ver, inteligentíssima. Me obrigo a reconhecer que usar o poder de convencimento em vez da coerção, tanto aqui na América do Sul quanto em vários países africanos, vem rendendo bons frutos aos chineses. Por meio dessa prática, a China identifica um ponto vulnerável em determinada região de seu interesse e oferece ajuda: seja construir um porto (para depois usar livremente mantendo a capilaridade de seu comércio), seja investir na agropecuária (para depois comprar alimentos mais baratos).
No caso da Languiru, o soft power chegou como um socorro providencial às finanças da cooperativa que produz justamente o que a China mais precisa. Me parece uma troca justa no jogo de forças econômicas que há milênios rege as negociações entre indivíduos, povoados e nações. O problema é que não se sabe exatamente o que virá depois da fase suave. É fato que conhecemos muito pouco – eu diria preocupantemente pouco – quem é a China, esse império milenar, uma superpotência que já não nega o desejo de assumir o protagonismo mundial. Criticar ou aderir sem conhecer de verdade quem nos estende a mão é apenas tentar atravessar um abismo sem que haja uma ponte segura.
Para encerrar, deixo aqui uma sugestão: só para começo de conversa, assistam aos documentários Ascenção (na Prime Video) e Indústria Americana (na Netflix), depois tirem suas próprias conclusões.