O caso horrível dos trabalhadores resgatados em Bento Gonçalves criou uma injusta onda de generalização, de boicotes, de falsas acusações e de preconceito contra o povo da Serra gaúcha e uma das suas principais indústrias: a vitivinícola. Há muita gente leviana que tenta sinalizar virtude e reparar uma injustiça cometendo outras injustiças. Assim que o caso veio a público na semana passada, começou um festival de comentários cretinos e infundados que passaram de qualquer limite do bom senso e da checagem de fatos.
Primeiramente, acusaram “a mídia” gaúcha de omitir o nome das vinícolas que haviam contratado a empresa terceirizada, porque se tratavam de “grandes anunciantes”. Mentira: logo nas primeiras matérias publicadas, lá estavam a Aurora, a Garibaldi e a Salton sendo cobradas de imediato por sua negligência. Depois, começou a pior parte: a generalização de que “todo sulista(sic) é nazista e fascista” e que, por causa disso, “há muitos casos de trabalho escravo no RS”.
Esse tipo de comentário é o que há de pior no esgoto da internet. Segue a lógica absurda de dissipar mentiras, pregar o ódio e o cancelamento sem muito critério, por puro despeito, desinformação e cegueira ideológica. Prejudica principalmente quem nada tem a ver com o caso apenas por “aproximação”. Iniciaram-se campanhas contra o vinho nacional, contra o turismo na Serra gaúcha e contra o povo gaúcho como se todas as pessoas que aqui trabalham e vivem honestamente fossem escravocratas.
O mais irônico é que a empresa terceirizada que maltratou e torturou esses trabalhadores pertencia não a um “sulista”, mas a um nordestino, o empresário baiano Pedro Augusto de Oliveira Santana. Qualquer pessoa provida de um mínimo de raciocínio lógico pode imaginar que “empresários” como o tal Pedro Augusto não fornecem mão de obra barata apenas para a safra de uva aqui no Sul: certamente há muitos agenciadores gananciosos que lucram conforme a sazonalidade da agricultura no Brasil inteiro.
Esses caras se aproveitam da pobreza e da humildade, e certamente do desespero, de muitos jovens e adultos nordestinos com promessas de salários relativamente altos para um mês de trabalho. Na verdade, criam armadilhas para endividá-los – como a tal caderneta do armazém, obrigando-os a pagar preços absurdos por alimentos e produtos de higiene –, além de colocá-los em alojamentos insalubres. Por sua vez, as empresas contratantes, desde que consigam mão de obra “barata”, dificilmente vão querer investigar o que há por trás deste “barato”, num misto de ganância e burrice.
Aposto que se houvesse fiscalização decente e competente em outras regiões do país se descobririam vários casos horríveis de condições análogas à escravidão em fazendas de café, cacau, cana-de-açúcar, seja no Sudeste, no Centro-Oeste e no Nordeste. Infelizmente, a ganância e a negligência não conhecem fronteiras neste país, mas devemos evitar que se comentam injustiças por mera leviandade.