Com a obrigatoriedade do retorno às aulas presenciais, ficou escancarado um problema com o qual professores e diretores de escolas públicas já se preocupavam desde 2020: a evasão escolar. Muitos alunos não conseguiram continuar os estudos por várias razões, entre as principais a falta de acesso à internet e de material adequado para as aulas remotas e a necessidade de começar a trabalhar em tempo integral para ajudar na renda familiar.
Há um mês, realizando um trabalho voluntário dentro do projeto Legado da CIC de São Marcos, onde eu moro, visitei cerca de 10 escolas públicas do município. Nada como conversar de perto com quem vive a realidade para saber o que está acontecendo e não ficar teorizando sobre um assunto sério. A diretora de uma escola me contou que crianças pequenas, de 6 a 7 anos, acompanhavam os pais e os irmãos mais velhos nas colheitas porque não havia ninguém para ficar com eles em casa durante o dia. Os filhos mais velhos acabaram sendo contratados para o trabalho no campo e decidiram não voltar mais para o colégio.
Infelizmente, a maioria desses estudantes que sumiram da escola para tentar ganhar um dinheirinho não entrou no programa Jovem Aprendiz, nem arrumou um estágio numa empresa, num banco ou numa startup descolada com todos seus direitos garantidos. Eles foram para os campos colher as frutas da estação debaixo de sol e de chuva, foram fazer faxina ou trabalhar de babá na casa de alguém, estão trabalhando num porão ajudando um parente com algum serviço terceirizado da indústria, são serventes de pedreiro em alguma obra.
Também ouvi relatos sobre adolescentes que conseguiram emprego só porque, durante as aulas remotas, podiam trabalhar em turno integral, mas agora tinham de escolher entre retomar as aulas presenciais e abdicar do trabalho, ou tentar uma vaga na escola à noite. Muitas famílias se preocupam, com razão, em permitir que seus filhos de 14 e 15 anos frequentem o turno noturno pelos perigos inegáveis que rondam as cidades, entre eles a criminalidade e o tráfico de drogas.
Longe do olhar atento e solidário dos professores, da diretora, dos funcionários das escolas, como vivem esses meninos e essas meninas? Como é a vida deles em suas casas? Quem está por eles? Sabemos a resposta: em muitos casos, não há ninguém por eles. Precisam se virar com o básico e, como se sabe, com 14 anos acabam sendo os responsáveis por si mesmos e pelos irmãos menores enquanto os pais trabalham ou estão desempregados. Com muita sorte, há uma avó carinhosa e zelosa para ajudar.
Fora da escola, muitos sequer têm um adulto em suas vidas, por isso é tão importante para essas crianças voltarem a estudar e ter uma chance, mesmo que pequena, de melhorar de vida.