Baseada em Petrolina, a pernambucana Paula Theotonio escreve semanalmente sobre enogastronomia para o Correio da Bahia, site de notícias de Salvador (BA). Jornalista casada com um baiano, fotógrafa, sommelière e dona de uma loja que só vende vinhos brasileiros, ela tem todas as credenciais para dar uma visão ampliada sobre os fatos relacionados à Serra que marcaram as últimas semanas. A seguir, ela conta como o caso do trabalho análogo à escravidão no setor da uva e do vinho em Bento Gonçalves, e seus desdobramentos para toda a Serra, chegaram ao Nordeste e como tem sido lidar com os impactos negativos do caso sendo uma defensora do vinho brasileiro. Confira:
Como se sentiu quando ficou sabendo do ocorrido na Serra?
A notícia do trabalho análogo à escravidão foi muito chocante e acredito que as manifestações que se seguiram pioraram a situação. Mesmo que não fossem declarações das instituições em si, muitos acreditaram que aquela era a mentalidade do segmento. Enquanto nordestina, foi difícil de engolir. Como pessoa do segmento, lamento também porque estávamos em um momento bom do vinho brasileiro, com safras de qualidade e aumento do consumo interno. O que fica para mim, após esse show de horrores, é uma sensação que todo o mercado gaúcho de vinhos precisa se unir para provar que, de fato, foi uma situação isolada e que não vai mais acontecer. As falas controversas geraram uma crise de imagem que extrapolou as vinícolas e se tornou da Serra, de Bento Gonçalves. Eu sou vendedora de vinhos brasileiros, nosso público é muito consciente e tive poucos questionamentos. Eles sabem que o mercado todo não é culpado, mas o mercado todo tem que se engajar para evitar novos casos.
Qual o caminho para isso?
Espero que o mercado não caia em uma tentação corporativista, que já vi em outras situações, de buscar apenas que o tempo silencie o caso, mas que tome, de fato, medidas para não deixar voltar que isso aconteça. O caminho passa certamente por vistorias de órgãos locais, coletivos e conselhos reguladores de indicações geográficas, mas, principalmente, por uma mudança de mentalidade e pela criação de políticas públicas que formem e valorizem a mão de obra para o segmento.