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A economista Patricia Palermo teve uma série de encontros na última semana, em Caxias do Sul para abordar as certezas e incertezas de 2023. Ela participou de dois eventos para marcar a inauguração da agência da Unicred na cidade. Como economista-chefe da Fecomércio, também esteve no Sebrae e na prefeitura de Caxias do Sul para apresentar um diagnóstico do programa Cidade Empreendedora.
Aproveitamos a vinda da doutora em Economia para a Serra e aprofundamos temas que marcam este início de ano, principalmente em relação aos juros e à inflação. Sempre de uma forma muito didática, a também professora Patricia nos dá uma aula sobre a economia do dia a dia. Confira:
O tema que tem marcado as últimas semanas é o dos juros altos no Brasil. Como ele impacta as pessoas e a qual a relação com a inflação?
É realmente um assunto que desperta paixões. E a palavra paixão vem de Patho, que significa doença. Então a gente tem que cuidar para não se contaminar com certas informações que não são corretas. Eu costumo dizer o seguinte: quando tem uma pessoa que está doente, muitas vezes, ela vai ter que se tratar com um remédio que tem reações adversas. A pergunta é: o que se tem como alternativa? Se, muitas vezes, não tem uma outra alternativa que seja mais eficiente, a gente suporta temporariamente essas reações adversas porque a gente sabe que a finalidade daquele remédio vai ser resolver a nossa doença. O Brasil historicamente sempre lutou contra a inflação. A gente tem, por exemplo, a indexação. Essa questão de sempre tentar reajustar preços pela inflação passada como algo que alimenta o processo inflacionário dentro da nossa economia. Quem a gente tem à disposição para tratar da inflação? Entre as ferramentas possíveis a mais potente é a taxa de juros. Especialmente quando a gente não tem uma política fiscal, que é aquela relação entre arrecadação e gastos públicos, que favoreçam o controle inflacionário. Toda vez que a política fiscal é frouxa, a política monetária tem que ser mais dura. O que acabou de acontecer no final do ano passado? A gente aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de transição muito maior do que seria a nossa necessidade. A gente deu muito mais impulso a demanda do que seria efetivamente necessário. Logo, a taxa de juros vai ter que fazer a sua parte e a parte que também caberia a da política fiscal. Por que esta toda essa discussão a respeito da taxa de juros? É que no passado recente se esperava que ela fosse cair ainda no primeiro semestre do ano. Depois, quando começou a se falar dessa questão da transição, já se pensou: "opa, vai ser para o segundo semestre do ano". E depois de aprovada a PEC da transição, hoje ainda se tem dúvida se a taxa de juros ainda vai baixar esse ano. Por que a gente sabe, né? Que taxas de juros elevadas são freios naturais à atividade. Como? Taxa de juros torna crédito mais caro. Crédito mais caro para quem? Para empresas e famílias. Taxa de juros mais alta torna o custo de oportunidade de aplicar em produção sempre mais caro. O dinheiro vai para outros lugares. Aqui, na Serra, é uma terra de gente que empreende. Quem vai vai querer empreender? Quem vai querer correr o risco de colocar dinheiro na produção, se você tem do outro lado uma alternativa que te garante paz, água fresca e 13,75% de rendimento? Essa questão de influenciar negativamente a atividade também é o que faz com que a inflação comece a ceder. E a gente vai correr esse ano em uma inflação pertinho da casa de 6%, que não é algo baixo. Durante um tempo a gente convive com a doença e o efeito colateral do remédio que a gente está tomando. Até esse remédio fazer efeito na economia.
Uma analogia que você também utiliza é de uma tia sua com pressão alta, que sempre se queixa de tomar remédio, mas continua enchendo a comida de sal. Adianta só manter juro elevado sem outras medidas?
Se a gente quiser ser um país de juros mais baixos a gente precisa ser um país que equilibre as contas públicas. A gente tem que ter uma discussão sobre o que vai ser nossa âncora fiscal. O que a gente vai fazer para que as pessoas olhem para o nosso país e tenham garantia que ali na frente a nossa dívida não vai estourar? Isso é importante, porque se não tivermos isso bem claro, o mercado vai acabar precificando os juros mais altos. Aí não tem jeito. Nós vamos acabar incorporando isso ao nosso cotidiano.
Qual é a orientação para o cidadão com o seu dinheiro diante deste cenário?
A gente tem algumas alternativas. Quando olhamos para 2023, eu costumo dizer que temos algumas certezas e incertezas. Entre as certezas: vamos passar mais um ano com inflação pressionada, que 6% para uma família que ganha pouco pressiona muito sua capacidade, além de juros elevados. Para quem tem dívida, tem que cuidar para ela não pressionar demais o orçamento familiar. Tem que consumir o que é necessário, mas ter cautela, porque se endividar-se demais, essa dívida roda com juros altos e vai pressionar ainda mais o orçamento que já estava pressionado pela inflação. Eu sei que ninguém quer ouvir isso, mas não tem bala de prata. A gente tem que consumir dentro das nossas condições para que aquilo que é um alívio de curto prazo, uma alegria que sem tem ao fazer uma comprinha, não vire um problema ao final. Para as famílias que tem poupança, isto é, famílias que tem dinheiro guardado, é um bom momento para aplicar. Temos as condições que só o Brasil te dá, que são opções de aplicações que combinam duas coisas que trazem paz para o aplicador, que é rentabilidade e baixo risco. É o ano da renda fixa. Por mais que a Bolsa brasileira esteja barata, a gente tem na renda fixa, nos CDBs, nos RDCs, excelentes alternativas que remuneram bem e, que estando ali em até R$ 250 mil por aplicação, estão protegidos ainda pelo Fundo Garantidor de Crédito.
Falando em coisas que só o brasileiro tem, estamos mais acostumados a conviver com inflação do que outros países, como os Estados Unidos. Porém, como essa conjuntura internacional de juros também pode impactar ainda mais nossa situação econômica?
Quando a gente se depara com velhos problemas, temos uma vantagem, porque a gente já tentou coisas que deram ou não certo. A sacada é simplesmente não repetir o que deu errado. E, às vezes, para alguns governos é difícil, né? Eles acabam insistindo e achando que apertando a mesma nota não vai sair sempre o mesmo som. Repetem erros! O Banco Central brasileiro não é independente, ele é autônomo. Autonomia do Banco Central foi garantida lá em 2020, mas a gente tem ainda um Cômite Monetário Nacional (CMN), por exemplo, que tem presença do Ministro da Fazenda, do Planejamento, que vão desenhar a meta de inflação. Agora, em junho, tem uma definição importante de meta de inflação para 2023 e para reafirmar que essas metas que estão desenhadas para 2023, 2024 e 2025 vão continuar exatamente as mesmas ou se vai haver mudança e firmar a meta de 2026. Essas metas são importantes, porque elas é que vão direcionar como tem que ser a política do Banco Central para que seja crível. Fazendo aquelas analogias gastronômicas. Se eu disser que a meta é emagrecer cinco quilos e eu for comer de tudo e mais um pouco, você vai olhar para mim e dizer: "epa, esse plano de emagrecer de cinco quilos não vai funcionar”. Mas tem gente que pensa que pode resolver o problema mudando a a meta e propõe: “Vamos fazer o seguinte: eu vou mudar a meta para dois quilos.” Aí o que acontece? Esse relaxamento acaba fazendo com que a gente chegue no resultado, mas ele é menos efetivo! Voltando à economia… Quando se pensa em mudar a meta, o que acontece? O mercado entende que o esforço será menor! Haverá leniência com uma inflação maior. E quando se fala de mercado, quem é o mercado? Somos todos nós. Então, quando a gente consegue enxergar que a taxa de inflação, que está sendo almejada pela autoridade monetária é mais alta ou simplesmente não é bem aquela que ela diz, isto é, quando as expectativas desancoram da meta, a gente começa a reajustar os nossos preços para não ficar atrás dessa corrida. E todo mundo que é formador de preços vai começar a fazer isso acontecer e isso vai levar a taxa de inflação para taxas mais altas. A grande questão do sistema de metas de inflação é você fazer metas críveis (e baixas!), fazer políticas que façam com que essas metas sejam alcançadas para que todos os agentes formadores de preço da sociedade olhem para essa meta, acreditem e usem como parâmetro. A gente tem hoje uma conjuntura mundial mais complicada. Estamos com taxas de juros nos Estados Unidos muito altas, que diminuíram o ritmo de crescimento, mas que vão continuar aumentando. A gente é um país que tem dívida pública maior que nossos pares emergentes. Estamos rodando uma taxa de inflação mais baixa, mas ela fica até um determinado piso e não consegue passar daquilo, que não é um piso baixo. Quando o mundo cobra taxa de juros mais altas, a gente tem de criar também diferenciais que sejam relevantes para pagar nosso risco Brasil. A entrevista do presidente do Banco Central, Campos Neto, da última semana, e outras, como a do ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, ressaltam que ruído é a pior coisa que pode acontecer, porque aumenta nível de incerteza. E incerteza paralisa. O que a gente devia estar recebendo como mensagem? Que o Banco Central tem que cuidar da inflação e o governo fazer sua parte, que no momento é definir uma âncora fiscal. Está se prometendo uma reforma tributária, dizem até que, no final do primeiro semestre, já vai estar votada. Mas que reforma tributária é essa? Como vai ser? Vai ser a PEC 45. Ela tem vários pontos positivos, mas ela tem várias tensões com vários setores. Tem muita dúvida. Eu costumo sempre dizer: os economistas sempre vão dar alternativas, sempre vai caber aos políticos fazerem as suas escolhas. Mas os políticos deveriam entender que eles têm um grande compromisso em não alimentar as incertezas. E parece que aqui no Brasil a gente alimenta incertezas de colheradas.
O que o governo deveria fazer e não está fazendo?
A prioridade é tratar essa questão fiscal. A gente tem há um tempo a regra do teto de gastos, mas o nosso teto é solar. Quando a gente precisa, a gente dá uma abridinha nele. Isso é um problema. O que se fez nos últimos tempos, e aí não tem marca de um ou outro governo, é todos que atuaram sob o teto de gastos deram um jeito de furá-lo. Isso vai tirando a credibilidade. Quando a gente viu a política do teto de gastos acontecer, a gente viu as taxas de juros afundarem. A gente só conheceu taxas de juros muito mais baixas no Brasil porque a gente tinha uma regra crível e focada nas despesas. Acredito que a gente deveria ter agora todo o trabalho possível, principalmente na comunicação pública para isso, porque quando a gente comunica dá previsibilidade para os agentes econômicos, de que a gente ia continuar controlando a evolução da dívida pública por meio do processo da despesa. Para controle, temos dois caminhos. Um é o do despesa. O outro é o da receita. Por que os políticos detestam os controles baseados nas despesas? Porque faz com que façam escolhas, eles têm que dizer que certas coisas são mais relevantes que outras. Quando a gente não opta por esse caminho, o único que nos resta é o da receita. E é aquele que aumenta a carga tributária sobre todos nós. Muitas vezes se vende o aumento da carga como algo que vai afetar só um grupo de pessoas ou setor. Mas isso acaba se espalhando pela sociedade como um todo. O Brasil não tem mais espaço para conseguir suportar mais carga tributária. A gente tem que tirar da nossa cabeça certos mitos. Um exemplo é que todo gasto que se faz com saúde, educação e segurança é bom. Não necessariamente é verdade. Temos que aplicar, de fato, medidas de cálculo de eficiência de gastos públicos. Se não, sempre vai faltar dinheiro em um país com tantas necessidades como o nosso. O foco deveria ser construir e comunicar que âncora fiscal iremos usar daqui para frente, porque isso geraria previsibilidade, uma calmaria no mercado e daria espaço para a taxa de juros reduzir ali na frente.