A empresária Idalice Manchini, da Pole Modas, está encerrando um ciclo de quatro anos na presidência do Sindilojas após ter sido a primeira mulher eleita para dirigir a entidade em 64 anos. Para quem termina uma gestão em que precisou auxiliar o setor a enfrentar uma crise provocada pelo fechamento de lojas em uma pandemia é mais do que a sensação de dever cumprido, é um alívio.
Mas não foi por isso que Idalice propôs o fim da reeleição no sindicato. Pelo contrário, ela diz que foi uma experiência tão enriquecedora que ela defende que mais empresários a tenham. A lojista, porém, não sai de cena no final do março, quando termina seu mandato no Sindilojas. Confira os principais trechos da entrevista.
Como foi se mudar para Caxias aos 17 anos e se tornar dona de um negócio com menos de 20?
Sou natural de Sarandi, no norte do Estado, de uma família de seis irmãos, sendo cinco mulheres. Em 1969, a morte do meu pai aos 36 anos, sem o sustento da casa que era da funilaria dele, fez com que a família fosse se dispersando. Primeiro minha irmã Ilse chegou em Caxias para trabalhar na Pole Magazine com a minha tia Diva. Depois o meu irmão, João, que trabalhava em uma casa de lanches. Eu cheguei em 1981 com 17 anos para trabalhar na Pole. Nós morávamos em uma quitinete com um beliche. Quando meu irmão chegava do trabalho de madrugada, a gente comia um xis juntos. Quando minha irmã casou e foi morar em Estrela, eu entrei para a sociedade, com 20 anos. Minha mãe teve que fazer minha emancipação naquela época, porque mulheres só podiam abrir conta em banco e ter negócios com mais de 21. Me desenvolvi no comércio, passamos por várias fases, sempre tendo em mente a próxima curva para desviar. Em 1983, decidimos fechar a malharia, que vendia para Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, e foi aí que entramos para o comércio. Depois fomos nos especializando na moda feminina, pois no início também vendíamos masculino e infantil. E foi em 1996 que abrimos a primeira filial, no Shopping Iguatemi (hoje Villagio).
Como se manter no mercado por tanto tempo?
Com planejamento e trabalho. Costumo dizer que é preciso sempre ter em mente que o caixa da empresa não é teu, é da empresa. Isso faz uma grande diferença, é uma regra primordial, principalmente para empresas familiares. Hoje minha sócia (Diva Posser) tem duas filhas atuando conosco. E a minha filha também já está com a gente há 15 anos. Mas todas elas entraram sabendo disso. E a gente precisa também saber como olhar a próxima curva. Tem muitas empresas que resolvem o problema financeiro do dia de hoje. O dia de hoje tem que estar programado na semana anterior. É pura gestão!
E onde aprendeu essas lições?
Sou formada em Administração de Empresas pela UCS e em Matemática Financeira pela FSG com especializações em Gestão do Varejo. Mas estou sempre me envolvendo em cursos, palestras. Quando vejo lojista abrindo e fechando a porta da loja, arrumando a vitrine, me preocupa. Assim ele acaba não tendo tempo para buscar conhecimento para inovar. O maior desafio é tirar o empresário de dentro da loja. Não é no sentido literal, porque eu “vivo” dentro da minha loja. O que quero dizer é que o comerciante precisa ir além de pensar só na venda. Nesta era de informação e tecnologia, precisamos repassar tudo e logo para as equipes. Isso é muito importante para todas as empresas. Ainda mais em um cenário de “apagão” de mão de obra, onde é preciso investir em equipes. O que diferencia os lojistas pequenos das grandes redes é isso, é inovação, é atendimento... O resto é commodity, produto. Hoje, a Pole tem 28 pessoas além das quatro diretoras. São quatro unidades e mais o e-commerce.
Você destaca muito que é preciso “prever” as curvas, mas e esta da pandemia, na presidência do Sindilojas?
As curvas vêm me perseguindo, mas a gente tem que vencê-las. Eu entrei na entidade em 2018, e a minha experiência como presidente foi uma pós em gestão. Eu mudei o estatuto para ser uma gestão a cada quatro anos, sem reeleição, justamente para dar uma oportunidade de outros empresários terem essa experiência, porque vale muito a pena. Não é fácil, mas desde que iniciei no mundo empresarial não foi. Comecei sendo empresária com 17 anos, administrando mais de 20 tecelãs. Ali já comecei a ser chamada de senhora. É difícil, ainda mais sendo mulher. Mas antigamente éramos mais sozinhas. Uma vez você dirigia, olhava ao redor, e só tinham homens. No início da presidência, senti que muitos buscavam saber se eu poderia receber a mesma confiança dos homens e sobrenomes que me antecederam. Tive que mostrar minha competência no início. Além de ser a primeira mulher presidente do Sindilojas em 64 anos, também serei a primeira mulher patrona do Congresso Nacional de Sindicatos Empresariais, que será em agosto. Só pode ser indicado quem já contribuiu e fez o evento na sua cidade. Já fizemos duas vezes em Caxias.
Ou seja: Idalice sai do Sindilojas, mas não sai de cena...
Não mesmo. Já sou vice-presidente do comércio da CIC Caxias. A CIC é nossa entidade mãe. Como lá não é só comércio, tem indústria e serviços, e a indústria é muito forte, estou aprendendo muito. São 18 diretorias. Sinto que poderei desenvolver um trabalho no comércio com apoio maior, para demandas maiores que vão além do município. No Estado, também sou vice-presidente da Fecomércio. E ainda vou continuar no Sindilojas como diretora financeira. Havia uma expectativa de que eu permanecesse como presidente, mas como eu não queria mais a reeleição, eu propus ficar no suporte financeiro, porque eles me querem pelo meu perfil firme para decisões. Mas sempre costumo dizer que o milagre das escolhas é sempre escolher o lado do bem. Mesmo que as pessoas não gostem de ouvir, faça isso. Para ser um líder tem que ser uma pessoa honesta, generosa e valente.