Diretora de operações de Saúde do Círculo, Isabel Cristina Bertuol, tem 43 anos e mais de duas décadas de experiência em um dos hospitais mais reconhecidos da Serra Gaúcha. Começou como técnica de enfermagem, atuou como enfermeira, gerente assistencial e assumiu o posto de diretoria do hospital no final de 2019. Mal sabia que enfrentaria o desafio de ser uma das principais executivas de uma instituição de saúde em plena pandemia. Mesmo com um cenário desafiador para se submeter à avaliações em função da sobrecarga do sistema de saúde ocasionada pela pandemia, o Hospital do Círculo manteve seu planejamento estratégico de pleitear a Acreditação Hospitalar nível 3, avaliação mais rigorosa que garante à instituição a certificação de promover qualidade e segurança na prestação dos serviços, e obteve esta conquista com a excelência.
Desafios que para Isabel, que já havia exercido a gerência assistencial por mais de 10 anos, período em que teve quatro filhos, concluiu um mestrado e ainda publicou um livro em gestão, só reforçaram o seu papel sistêmico na vida e na profissão.
Como é ser mulher e enfermeira à frente de um hospital?
Eu e minha equipe somos responsáveis pelo produto que o Círculo vende, a assistência, então a responsabilidade é enorme, porque envolve competência técnica, comportamental, estrutura e atendimento. Ainda enfrentamos alguns preconceitos por sermos executivas e mulheres. E, em especial na área da saúde, ainda tem o de ser uma enfermeira no comando. Mas estamos ganhando espaço, confiança e autonomia e isto depende muito de nosso posicionamento, do empoderamento e do conhecimento que buscamos para corresponder a responsabilidade que assumimos na gestão e liderança de um serviço de saúde. A própria formação da enfermagem já é mais voltada para a gestão, o enfermeiro é um profissional que desenvolve mais facilmente uma visão sistêmica pela característica de sua atuação e quando associado ao perfil para liderar, faz sentido atuar na gestão e os resultados são surpreendentes. O enfermeiro permanece continuamente na assistência e é um dos principais articuladores das demais categorias profissionais que envolvem a assistência. São características importantes que dão uma melhor condição para atuar na gestão dos serviços, mas precisa ter o perfil para ser líder e gerenciar.
E como está sendo liderar em tempos de pandemia?
Muito desafiador, porque as necessidades impostas pela pandemia extrapolam nossa competência, conhecimento e vontade de fazer as coisas como devem ser feitas. Mas estimulante também, pois na área da saúde sempre temos a oportunidade de fazer o bem na vida das pessoas em momentos difíceis, momento que as pessoas mais precisam, que geralmente envolvem dor, sofrimento, perdas e angústias. Isso é gratificante e não tem preço e vale todo nosso esforço e motivação para enfrentarmos o nosso dia a dia que tem sido muito pesado.
Nunca foi fácil administrar um hospital, mas agora lidamos com situações nunca antes vivenciadas, além daquelas que já são características da área que neste momento estão mais agravadas como a falta de profissionais, a sobrecarga de trabalho, as limitações de estrutura, dentre outras.
Além daquelas que a nossa geração não passou, como nos deparar com falta de medicamentos essenciais ao tratamento dos pacientes, por exemplo, o que o inclusive nos fez voltar a adotar protocolos de terapêutica medicamentosa não mais difundidos, que é o que temos disponível para substituir outros medicamentos que não estão disponíveis. São situações em que a gente tem que trabalhar muito com os profissionais, envolve mudança condutas e posturas, mas que o momento exige.
Como as tuas experiências anteriores te auxiliam a lidar com este momento inédito?
Eu comecei em 2001 no Círculo como técnica de enfermagem. Na época, já fazia graduação e sentia necessidade de atuar na área. Antes, por um ano e meio, trabalhei como instrumentadora de um dentista, e foi o que despertou meu interesse pela área da saúde. Quando me formei, em 2003, já assumi a função de enfermeira em unidade de internação. Trabalhei sempre muito empolgada e motivada, porque gostava muito de atuar na assistência, de praticar, além da técnica, o amor e o carinho no cuidado. Eu sempre gostei muito de geriatria, porque idosos sempre precisam muito de carinho e retribuem genuinamente. Você faz um curativo, um exame e ouve a história dos pacientes, participa de alguma forma, tem um significado diferente. Tenho muitos que atendi que lembram de mim.
Atuei como enfermeira até 2007. E tinha uma característica de nunca ficar no meu mundinho, sempre participava de ações mais sistêmicas no hospital, sempre procurei fazer melhor e participar de projetos. Alguns colegas meus me criticavam, diziam que não era meu papel, que não ganhava para isso, mas era eu quem ganhava com isso, pois tinha esta condição, gostava de apoiar e ainda aprendia muito com isso. Em 2007 recebi o convite para assumir a gerência de enfermagem, que hoje é o cargo de gerente assistencial, que responde por todos os profissionais da assistência em um serviço saúde, com exceção dos médicos que são gerenciados pelo diretor técnico. Fiquei nesta função até 2019. Em paralelo, nestes mais de 10 anos, casei e tive quatro filhos (Camila, 13 anos, Gustavo, 11, e Gabriel, 7, e Natália, cinco), fiz um mestrado e publiquei um livro. Logo que casei, meu marido investigava a perda de um rim, e o médico indicou que teríamos dificuldades para termos filhos. Fizemos um tratamento e, no mesmo ano, engravidei. Eu sempre quis ter mais de um filho. E, como achava que não engravidaria tão fácil, também não me preocupei. Quando voltei a estudar, em 2014, engravidei pela quarta vez na metade do meu mestrado. Teve quem me disse que não iria conseguir concluir o mestrado. Consegui acabar antes de ganhar minha filha. Ia para Porto Alegre toda a semana, grávida para estudar o dia inteiro. Quando acabei, a minha orientadora disse: “tua dissertação de mestrado daria um livro”. E ela tinha os caminhos para publicar. Eu estava amamentando, ela tinha três meses, e veio o retorno positivo. Teria que transformar a dissertação para versão livro, tinham vários ajustes para fazer, mas resolvi encarar essa, na licença-maternidade, com a pequena e mais três crianças. Mas não ia perder a oportunidade de deixar para o mundo mais um legado, meu conhecimento e motivação pelo tema. Publicamos o livro Planejamento Estratégico Serviço de Enfermagem com Ênfase Metodologia JAD (Joint Application Development) em 2016.
Em novembro de 2019, veio mais uma grata surpresa na minha vida, recebi o convite para assumir a diretoria dos serviços próprios do Círculo. Era um momento de muita mudança na instituição. Estava tudo sendo transformado mas eu pensei: conheço o hospital e a cultura da organização, acho que posso contribuir. E aí, em março, começa a pandemia. Pensei comigo: agora é meu estágio probatório. Se der certo, eu provo para mim mesma que estou preparada para esse desafio. E realmente o que me possibilitou estar à frente de tudo que estamos precisando enfrentar foi toda minha base, minha bagagem ao longo deste período. Estou há 20 anos no Círculo. Conheço muito nossos pontos fortes e nossas oportunidades, sei onde precisamos trabalhar mais. E isso me deu oportunidade de agir onde precisava com apoio de uma equipe que vale ouro. E tive apoio e respaldo do Conselho de Administração, da superintendência e demais diretores do Círculo.
Em meio a este cenário de pandemia, como foi buscar uma acreditação de excelência como a conquistada recentemente pelo Círculo?
Em 2020, nos deparamos com a dúvida de busca deste upgrade, pois já éramos certificados desde 2018. Estava no nosso planejamento buscar a certificação nível máximo em 2020, porque um dos valores da instituição é a busca por qualidade e excelência na assistência. Mas em um cenário de pandemia nosso foco foi muito intenso no enfrentamento e novos processos que precisaram ser construídos. Era muita coisa para fazer. Nos deparamos com a dúvida: será que a gente dá conta? Porque ainda havia muitas coisas a serem feitas e melhoradas. Tínhamos muitos projetos para desenvolver, e a pandemia nos apresentava outras demandas. Foi quando chamei a equipe e disse que só conseguiríamos se déssemos tudo de nós e mais um pouco do que já estávamos dando, mas que eu acreditava neles e na força da união do grupo com foco na busca e alcance desta conquista. Tínhamos pouco tempo. conseguimos ganhar mais quatro meses na data prevista para a avaliação, porque a Organização Nacional de Acreditação (ONA) também estava com calendários desprogramados em função de desmarcar visitas por causa da pandemia. E trabalhamos muito para passar pela avaliação. A conquista foi um presente, reconhecimento de todo esforço, pois tivemos muitos momentos difíceis, trabalhando direto, sem fins de semana, feriados, suspendendo férias dos nossos colaboradores. E não foi só relacionado a covid, foi para garantir também esta certificação através das melhorias nos nossos processos e no gerenciamento dos nossos resultados. A pandemia veio para reiterar que estávamos certos, porque a cada vez mais temos que contar com instituições de saúde qualificadas, com processos bem definidos que garantam uma assistência segura e atenda as expectativas dos nossos clientes. E em um nível de complexidade que pacientes, como os de covid, nos mostraram que tínhamos que, sim, perseguir.