O setor vitivinícola da Serra enfrenta um paradoxo que muitos outros segmentos com mercado aquecido vivem na pandemia. Se por um lado o distanciamento incrementou o consumo de vinhos, por outro atender uma demanda crescente com falta de insumos é um dos principais desafios das vinícolas nesta época do ano, em que se preparam para a comercialização de inverno, principal momento de escoamento das safras.
Desde o início da pandemia, empresas da região enfrentam dificuldade para obter desde o vidro para engarrafar a produção até o papelão da embalagem final, que se tornou ainda mais importante com o aumento das vendas pela internet. Produtos importados, como rolhas e barricas, também são mais difíceis de se obter por questões logísticas provocadas pela pandemia e com valor elevado pela desvalorização cambial.
Maurício Salton, diretor-presidente da vinícola centenária de mesmo nome da família, em Bento Gonçalves, é um dos casos de empresas da Serra que precisam superar todos estes entraves envolvendo insumos. Não é só a dificuldade em adquirir garrafas que atrapalha o setor. Neste caso específico, a Salton conseguiu se sair melhor por atuar com uma mesma fornecedora por décadas e por ter mantido uma programação de pedidos com níveis pré-pandemia, mesmo no início dela, quando ainda não se sabia que o consumo do vinho brasileiro teria um incremento recorde. Mas a vinícola de Bento Gonçalves foi impactada em outras situações, até mesmo com a falta de rolhas de fornecedores europeus.
— Enfrentamos situações de mudar características de rolha em determinados momentos —conta Maurício.
Outro insumo importado que sofreu um impacto expressivo é a barrica de carvalho para amadurecimento de vinhos com potencial de guarda. Pela natureza deste tipo de madeira, que leva, no mínimo, 80 anos para estar pronta, no caso do carvalho americano, ela já é uma das matérias-primas mais caras da indústria vinícola. Segundo o presidente da Salton, uma barrica de carvalho americano está na faixa de US$ 800, o equivalente, hoje, a R$ 4,5 mil.
— E a gente teve que fazer uma aquisição no ano passado relacionada ao nosso plano produtivo, pois temos produtos de safras que demandam passagem do vinho em barricas novas. São safras excepcionais, de 2018 e 2020, que demandam primeiro uso de barrica. Tivemos que fazer uma aquisição em meio ao dólar que não era favorável — aponta o diretor-presidente.
Neste momento de preparação para a comercialização de inverno, o que mais tem penalizado o setor, segundo o diretor-presidente da vinícola, tem sido o papelão. A inflação desse insumo se aproximou de 100% em um ano, de acordo com ele. Isso impacta no próprio preço final de um produto que já tem boa parte do preço composto pela embalagem em vidro e pelos impostos. No caso da Salton, a falta de papelão mexe até com algumas estratégias de venda.
_ Tivemos que frear projetos online porque não estamos encontrando embalagens unitárias para remessas de pessoas físicas — revela o executivo.
Um problema de difícil solução
Julio Gilberto Fante, sócio proprietário da Fante Bebidas, indústria de Flores da Cunha responsável por 70% do mercado de exportações de bebidas do Rio Grande do Sul, destaca que o problema da matéria-prima continua muito sério para o setor de bebidas.
— Nosso grande problema é o vidro. A safra foi muito maior do que se esperava e, para comercializar ou chegar ao consumidor, precisa do vidro. As fábricas operam em sua capacidade máxima e não atendem à demanda. Segundo eles, houve um crescimento em todos os produtos puxados pelas cervejas. O que preocupa é que, mesmo após a decisão de implantação de uma nova unidade de produção ou ampliação, levam no mínimo três anos para produzir e ainda não temos nem a decisão. A instabilidade econômica brasileira tem sido um dos entraves para esta decisão — aponta o empresário.
Ainda conforme Fante, o setor de vinhos busca convencer os fornecedores de vidro que o mercado cresceu.
— É só olhar o suco integral que triplicou nos últimos anos. O vinho de mesa, que anos atrás tinha 70% da produção vendida a granel, hoje tem quase 70% engarrafado no Rio Grande do Sul. Além disto, temos os espumantes e vinhos finos — argumenta.
A importação de garrafas tem sido uma alternativa, mas, entre os problemas, além do custo em função do dólar alto, tem a falta de disponibilidade pelo aumento de demanda de outros países.