A notícia de que o Centro Universitário da Serra Gaúcha (FSG) está abrindo um curso de Medicina, confirmada no último dia 11 de outubro, provocou reações negativas das entidades de classe dos médicos. Preocupações com a quantidade de novas faculdades que têm sido abertas na área e os impactos na qualidade da formação são a base para as críticas.
As duas entidades ouvidas – Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers) e Sindicato dos Médicos de Caxias do Sul – afirmam que estão analisando alternativas jurídicas para barrar a abertura do novo curso. O entendimento é que não há falta de profissionais na região e que as dificuldades para atendimento à população têm outras causas.
O presidente do Cremers, Eduardo Neubarth Trindade, descarta as acusações de que as entidades de classe querem fazer reserva de mercado e entende que o aumento do número de faculdades significa uma banalização da formação médica, com riscos para a população. Para basear essa afirmação, ele analisa a situação da categoria em Caxias do Sul.
De acordo com o presidente, os últimos dados de demografia médica apontam que a cidade tem cerca três médicos para cada mil habitantes, o que é superior ao preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e equivalente a países de primeiro mundo, como Canadá e Japão. Portanto, essa formação de mais profissionais, segundo ele, não tem a ver com necessidade de mercado, e sim com interesses financeiros das instituições de ensino.
— A gente sabe que as universidades estão passando por uma crise financeira grande, pois perderam alunos para o EAD e por outras questões. Agora querem se capitalizar abrindo faculdades de medicina, pois são cursos que custam de R$ 8 mil a R$ 12 mil por mês. Mas que médicos estamos querendo formar nessas fábricas de diplomas? Não podemos brincar com isso — contesta Eduardo.
O representante do Cremers lembra que a entidade não tem como interferir na fiscalização do ensino oferecido pelas faculdades, pois isso é atribuição do MEC, mas que tem notado a abertura de muitos cursos com problemas de estrutura e de ensino. Para a entidade, isso é um risco para a sociedade, pois pode colocar no mercado profissionais com baixa qualificação, além de não contribuir para resolver os problemas de acesso ao atendimento enfrentados pela população. Segundo Eduardo, a falta de médicos no SUS, por exemplo, tem relação com os baixos salários oferecidos, e não com falta de mão de obra:
— Enquanto se faz concurso para procurador pagando R$ 14 mil, se faz para médico com salário de R$ 2 mil, com todas as responsabilidades e tempo de formação. E muitas vezes ainda fazem a terceirização, o que também colabora para essa precarização.
Esta visão também é compartilhada pelo presidente do Sindicato dos Médicos de Caxias do Sul, Marlonei Silveira dos Santos. Para ele, o principal limitador para acesso ao atendimento médico na rede pública é falta de investimento dos governos.
— Isso é falta de salário. O que pagam as prefeituras, com algumas exceções como Caxias, é insignificante. Em apenas um plantão em hospital dá para ganhar mais do que o salário de algumas prefeituras — revela Marlonei.
No entender das entidades de classe, a falta de profissionais em algumas áreas e a demora para marcar consultas particulares ou em planos de saúde, questões também muito presentes no dia a dia de quem procura os serviços de saúde, também não serão solucionadas com a abertura de mais faculdades.
Marlonei acredita que esta situação está relacionada a situações estruturais e de regulação, e cita o exemplo da oftalmologia. Segundo ele, hoje existem 53 profissionais dessa área em Caxias do Sul, e há um controle rígido do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) sobre novas especializações, já que a quantidade de novas vagas é pequena.
— Tem algumas sociedades que regulam mesmo, e algumas acho até que é um pouco exagerado. A oftalmologia, por exemplo, tem em Porto Alegre quatro locais que formam especialistas, mas cada um forma uns dois ou três por ano. Eles autorizam somente quando entendem que há necessidade — informa o dirigente do Sindicato dos Médicos.
O presidente do Cremers também defende uma maior atenção à formação de especialistas. Para ele, esta é outra distorção do processo de ensino da medicina, que tem priorizado a abertura de cursos de graduação, mas sem incentivar que os formados tenham à disposição mais residências com qualidade. Isto provoca as dificuldades que a população sente para agendar consultas com algumas especialidades.
— Isso deveria ser prioridade, especialmente em áreas como reumatologia, cirurgia vascular e oftalmologia. Nós temos médicos em número suficiente, mas precisamos que eles façam residência médica adequada, com boa formação — defende Eduardo.
O curso da FSG recebeu a aprovação do Ministério da Educação (MEC) em 10 de outubro. De acordo com a instituição de ensino, o projeto de implantação recebeu conceito 5 na avaliação feita pelo MEC, que é a nota mais alta dentro da escala de pontuação existente. O reitor da FSG, Denis Chidem, informa que a estrutura foi devidamente preparada, com investimentos em laboratórios, e que as aulas práticas serão realizadas no Sistema Único de Saúde (SUS), em parceria com mais de 15 municípios da Serra.
Poucos dias após o anúncio, na última quinta-feira (17), as inscrições para o vestibular foram abertas, e seguem até a próxima terça (22). A prova para as 60 vagas ocorre já no próximo sábado (26), e a instituição informa ainda que é possível ingressar via Enem e segunda graduação. As inscrições para estas modalidades vão até 29 de outubro.