As justificativas apresentadas pelos vereadores de Caxias do Sul para aumento de salário e criação de 13º aprovados na semana passada são variadas. Mesmo com a indignação que o ato provocou na população, há uma porção de desculpas que criaram, ao menos para os parlamentares, o clima para que esse pacote de bondades pudesse ser votado. No entanto, insisto no que já disse anteriormente: este ato mostra uma desconexão com a realidade do país.
Uma reportagem completa sobre as justificativas dos líderes de bancada foi feita ainda na sexta (leia ao lado). No entanto, para fins de ilustração aqui da coluna, vamos reproduzir abaixo trechos do que disseram alguns parlamentares.
— O vereador é servidor também, e isso vem se discutindo no decorrer do ano, é a unanimidade dos vereadores — José Dambrós, presidente da Câmara.
— A Câmara de Vereadores de Caxias é muito enxuta, com poucos servidores inclusive, e com um trabalho muito efetivo dos vereadores, e não há, ao contrário do que a maior parte das pessoas pensa, benefícios como vale-alimentação, plano de saúde, auxílio-creche e auxílio-combustível — Marisol Santos, líder da bancada do PSDB.
— Não foi aumento real, foi reposição inflacionária — Ricardo Zanchin, líder do Partido Novo.
— Os nossos CCs ganham mais que nós e os nossos assessores em proporção de responsabilidade ganham mais que nós. Mesmo com todo o respeito que eu tenho por eles, mas é a mesma coisa que o patrão ganhar menos que os empregados. Essa é a realidade da Câmara de Vereadores hoje. Então a gente teve que colocar pelo menos um equilíbrio, porque se a gente não fizesse esse equilíbrio ali, daqui a duas, três legislações, não ia mais ter ninguém concorrendo a vereador, porque não teria condições de se sustentar — Sandro Fantinel, líder do PL.
— Estamos falando a segunda maior Câmara de Vereadores do Rio Grande do Sul e a 33ª do Brasil. Nossa Câmara é enxuta, com apenas dois assessores (por vereador) e com muito trabalho exclusivo diariamente — Rafael Bueno, líder do PDT.
— Se a Câmara tivesse votado anualmente a reposição, não chegaria nessa porcentagem acumulada. Como o salário estava congelado fazia vários anos, os números eram estes. Quanto ao 13º, as demais casas legislativas possuem, assim como todo trabalhador com carteira assinada — Estela Balardin, líder do PT.
O fato é que, por mais “defasado” que possa parecer aos parlamentares caxienses, o salário deles já era muito acima da média da população em geral. Esta é a questão central aqui, e não a suposta produtividade ou a comparação com outras câmaras. E uma amostra disso pode ser obtida por meio de uma ferramenta muito interessante, da plataforma jornalística Nexo, que pode ser acessada aqui.
Esta ferramenta, chamada de O seu salário diante da realidade brasileira, permite saber como determinado contracheque se enquadra no país e do Estado. Para fins de cálculo, usamos o valor médio líquido recebido atualmente pelos vereadores da cidade, que fica em torno de R$ 9 mil, e os resultados falam por si. Segundo a plataforma, o ganho atual já deixa os parlamentares caxienses acima de 98% da população brasileira, e também é maior do que recebem 97% dos gaúchos.
Ainda em termos de comparação, é interessante constatar que o líquido embolsado hoje por um vereador é 385% acima do salário médio de um professor gaúcho, que segundo a ferramenta do Nexo, tem salário médio de R$ 2,3 mil. E as discrepâncias aumentam ainda mais se usamos o valor bruto ou o futuro vencimento que será pago no Legislativo de Caxias do Sul.
Esses números colocam por terra os argumentos de valor baixo ou desatualizado. Na comparação correta, que é com a população, o vencimento atual já é muito bom, bem acima da realidade do país. E é esta falta de conexão com o mundo real que explica a indignação enorme que temos visto na sociedade nos últimos dias. Em vez de buscarem justificativas que soam como delírios de um universo paralelo, seria muito didático se os vereadores analisassem melhor a realidade em que estão inseridos.