Doemos e aceitar que doemos nos ajuda a atravessar a dor. Doer é tão importante quanto não sentir dor. A dor tem um dialeto próprio e cabe a cada um de nós compreender o que ela quer nos dizer. Há uma linguagem nela, há um dizer de nós mesmos que, por não mais sabermos doer, nos assusta.
Vivemos uma hipertrofia social que gira em torno da ideia de felicidade constante, como se isso fosse possível. Doer é o contraponto desta fantasia. Doer nos traz de volta para o real, fala do tamanho que temos. Diz da nossa vulnerabilidade. Escancara nossas fragilidades. Nos recoloca na posição de ser humano. Não há absolutamente nada de fraqueza em doer. Pelo contrário.
Doer faz de nós mais pessoas. Nos coloca diante do outro com menos arrogância. Doemos de modo muito particular, mas também muito parecidos. Só as máquinas não doem. E, as máquinas, além de serem substituídas a qualquer momento, não constroem vínculos. Doemos onde amamos. É lá onde doemos que compreendemos que, em algum momento, por um determinado tempo, amamos e fomos felizes.
A dor é a certeza do fim de algo bom. Talvez por isso tenhamos tanto medo de doer, como se pudéssemos impedir que as coisas boas também chegassem a um fim. Talvez porque desejássemos, feito crianças, que as coisas boas nunca terminassem. Talvez porque dar-se conta disso é compreender que também passamos pela vida e um dia nos despediremos de tudo e de todos.
No entanto, doer nos traz de volta à vida. A dor fala também dos nossos limites. Diz de quando estamos vivendo no excesso e todo excesso causa dor, seja da natureza que for. Nada em demasia, diz o oráculo. Mas estamos sempre querendo mais e nem percebemos que na ânsia de mais e mais, perdemos a capacidade de sentir o gosto daquilo que vivemos, provamos, sentimos.
A velocidade não nos deixa observar a paisagem. O excesso nos atropela. A ganância nos carrega para perto do abismo. Por isso, doer é fundamental. A dor nos faz parar de girar feito um pião desgovernado na vida. A dor nos ensina que somos de carne e, assim, é impossível sermos indiferentes ao mundo.
Se nos permitíssemos doer mais, seríamos mais compreensivos, menos preconceituosos, teríamos menos certezas, afinal, doemos no coletivo.
Mas vivemos tempos em que tudo precisa girar para o mesmo lado. As pessoas querem os mesmos carros, as mesmas festas, os mesmos apartamentos, as mesmas viagens, as mesmas caras com os mesmos narizes, as mesmas roupas, as mesmas contas bancárias, as mesmas alegrias, as mesmas poses instagramáveis.
Para suportar a impotência diante disso, correm em busca de medicamentação e os sorrisos desafetados e alienados voltam a ser registrados, como se isso fosse o ideal a ser perseguido.
Há verdade na dor, afinal, tudo que é verdadeiro é doloroso, diz Byung-Chul Han. Uma vida sem dor é uma vida longe da verdade. É deparar-se com o inferno do igual. A dor produz intimidade, nos ensina a olhar para dentro e, o modo como doemos, diz quem somos e como vivemos nossa vida.