Numa rua qualquer, não lembro o nome e nem se ainda saberia chegar lá, parei o carro a espera do sinal abrir-se. Era manhã e o céu estava claro. Observei ao longe, por entre os muitos carros um casal colocar sobre a calçada um móvel antigo e algumas caixas de papelão que pareciam pesadas. Aprendi com meu pai a observar o meu ao redor. Ele que adorava passear e sempre que possível, me levava junto dar uma volta pela cidade. Desde muito pequena sinto-me arrastada por qualquer imagem urbana que me seja interessante. Gosto de observar muros decadentes, flores que nascem entremeio ao concreto, casas abandonadas, uma floreira cheia de flores no alto de um edifício, saracoteando com o vento, copas de árvores antigas. Durante um tempo fiz um ensaio fotográfico registrando prédios abandonados. Ficava impressionada com o ar fantasmagórico que alguns deles tinham e como passavam desapercebidos pelas pessoas. Estes lugares vazios ali, no meio da gente, me faziam e fazem pensar em que tipo de destino damos às nossas memórias. Pois que lembranças são casas vazias, guardam apenas a sombra do ontem.
Antes mesmo do sinal abrir já sabia que meu rumo naquele dia, mudara. Fazer isso era voltar a ser um pouco criança, completamente imune a responsabilidade da vida adulta e suas ambições. Estacionei o carro logo adiante e fiz o que sempre amei fazer: fui puxar um dedo de conversa com pessoas que nunca tinha visto antes. Essa coisa de não conversar com estranhos é outra história que na minha casa se deu de maneira diferente. Meus pais vieram de fora daqui. Vieram tentar a vida no final dos anos 60. Chegaram sem passagem de volta, assim tinham de fazer dar certo, pois não poderiam mais voltar. Meu pai contava que venderam tudo para vir para a cidade grande, aqui tinha emprego e como queriam ter filhos, era mais perto dos estudos. Nasci de um sonho. Eles, os estrangeiros, tiveram de puxar muita conversa com gente desconhecida. E fizeram amigos e construíram uma casa e arrumaram trabalho, embora nunca deixaram de ser os de fora. Cresci sem medo do outro. E para desespero de minha mãe, sempre fui boa de papo. Cresci conjugando a vida no tempo futuro.
Olá, disse. Eles me olharam achando estranho, mas logo me apresentei. Oi, meu nome é Adriana, vi que vocês estão colocando este móvel na rua é alguma mudança (não me parecia ser) ou... e o senhor me respondeu, é para quem estiver passando e quiser levar. Sorri. Posso levar para mim, perguntei. A senhora sorriu e disse, claro, e aqui tem algumas louças. Abrimos as caixas e haviam taças de todos os tamanhos, pratos, uma sopeira, xícaras de café, de chá, copos de licor. Entre chimarrão e pedaços de bolo soube que os sogros haviam morrido e a louça era do casamento, todas da década de 40. Nunca haviam sido usadas (são lindas).
Desde lá uso as louças de alguém que nunca vi e que guardaram para uma estranha o uso delas. O amanhã, o dia especial, o momento certo, não existem. Aprendi, o futuro é hoje. Celebre o agora.