Não sabemos como usá-las, não sabemos se elas existem, nem se dão conta do que sentimos. As palavras carecem de palavras que as expliquem. Se colocam em marcha e na maioria das vezes seguem silenciosas, como num cortejo. Não dão conta da dor. Não sabem da perda. São pequenas demais para as coisas que sentimos quando alguém parte. E sempre alguém irá partir, estejam ou não as malas prontas. Talvez para onde se vá não seja necessário bagagem. Nem palavras.
Há palavras que nunca são ditas. Viram calos na alma. Doem mas já mudaram a forma. Ficam irreconhecíveis. Nem lembram mais o que significam. No entanto, basta um dito estranho, um desacontecimento, um quê mais apertado e elas doem. Latejam. Há palavras que pulsam. São nossos calcanhares. Desejamos não senti-las, fingimos que não existem. Não importa. Doem sob a pele grossa que se fez pela vida na tentativa de nos proteger do jeito errado que pisamos. E pisamos errado quase sempre. É coisa de gente ser gente de calo. Estranho quem não os têm. Sinal de que não andou.
A poesia é um removedor de calos. Ameniza a dor, mas não impede a perda. Sustenta o céu sobre nossas cabeças, enquanto sapateamos no calor do chão. Dói atravessar o deserto da morte. Não há luz embora o sol jamais tenha desaparecido. Somos nós que escurecemos. Não a vida. Demora para as palavras voltarem ao seu estado normal. Quando perdemos alguém também perdemos o idioma. Desaprendemos a falar. A dor nos emudece e emudecemos as horas. Há um silêncio cheio de não ditos. Seria um vazio? Não. É um tudo em suspenso, congelado. A dor nos esfria.
Tudo fica para depois.
Depois passa. Aos poucos, passa. A dor da perda vira saudade. A saudade se sente nos braços que não podem mais envolver o corpo da pessoa que partiu. O céu da boca nunca vai deixar de doer, mas aos poucos ele se abre para o dizer. E as palavras voltam como as nascentes de rios. Um filete que enche o mar. Penso nos peixes. Toda palavra é um tipo de peixe, desliza por nós em busca do oceano que desagua no outro. Somos seres abissais. Alguns de nós descobrem que precisam criar sua própria luz para não viver no escuro para sempre. Outros descobrem o caminho de volta, e depois de uma longa jornada de descida, ressurgem na superfície do mar. Voltamos nas costas de algum peixe generoso que nos emprestou suas nadadeiras e nos trouxe de volta. Voltamos. Voltamos à vida. Mas voltamos diferentes.
Então o dia não arde mais como antes. Nem a noite se faz tão escura. De certo modo, uma flor especial se abre em nós. Desabrochamos com ela para uma outra possibilidade de ser. Aprendemos a suportar a ausência do outro. Entendemos que isso também se dará conosco em um determinado momento. Nos preparamos para o que não sabemos e talvez a melhor forma de pensar na morte, seja viver. Viver como fazem os girassóis. Levantam-se em direção ao sol, reluzem a luz que dele recebem, espalham beleza onde estão e um dia viram semente.