A professora chama as crianças para sentarem para a hora do lanche. Explica que começarão comendo bergamota e depois os outros alimentos preparados para eles. Assim, a proposta era primeiro descascar a fruta separando as cascas dos gomos. Um dos pequenos, que tem por volta de três anos questiona: o que são gomos? Antes que a profe explicasse, Matteo, que tem aproximadamente a mesma idade, responde: gomos é tudo aquilo que tem dentro da casca. Escutei e sorri para a profe, eu jamais daria uma explicação tão certeira quanto esta. Ele comeu um gomo, dois e no terceiro falou: profe, eu tenho muitos gomos dentro de mim.
A fala de Matteo tem me acompanhado desde então. Sim, somos feitos de muitos gomos. Alguns de nós têm gomos doces e suculentos, outros mais cítricos. Há pessoas azedas e por mais que se espere amadurecer, serão sempre azedas. Há os que os gomos secaram. Quem de nós nunca se decepcionou ao comprar bergamotas e ao comer ter a sensação de que está mastigando isopor? Há ainda aqueles que têm mais casca que gomos. Somos uma espécie de bergamotas ambulantes, para brincar junto da imaginação do pequeno Matteo. Apesar de parecer engraçado isso, é muito profundo.
Cada um de nós tem uma casca-história. Assim como a fruta, em algum momento precisamos descascar para ver o que se tem dentro. Mas isso precisa ser feito no tempo certo. Já experimentou descascar bergamota verde? Invariavelmente acabamos machucando os gomos que ainda estão em formação. E na grande maioria das vezes quando fazemos isso, estragamos a fruta. O que está verde precisa de tempo para amadurar. Pode-se até tentar acelerar o processo, mas uma vez que não respeitamos o tempo que cada um tem para crescer e ficar pronto, estragamos. Isso quando não acontece da fruta sair do estágio de verde para podre. Daí nos decepcionamos. Esperávamos tanto daquelas bergamotas laranjas, lindas e lustrosas e ao descascar descobrimos que já estão passadas.
Gosto de analogias. Não somos muito diferente das bergamotas. Nossa casca é também nossa proteção, para tirá-la é preciso delicadeza e respeito. Para separar a fruta em gomos precisamos de calma e cuidado, às vezes os gomos estão tão grudados que corremos o risco de tirar aquela pele fina e protetora que separa a fruta em unidades. Isso quer dizer que precisamos de um certo autocuidado com o modo como deixamos o outro chegar perto. E o mesmo cuidado quando chegamos perto do outro. Nada de ir descascando à força, machucando, não respeitando o tempo de amadurecimento de cada um. É preciso respeitar as singularidades. Há pessoas, assim como determinadas bergamotas, que têm muita dificuldade de tirar a casca. Precisam de confiança e segurança. E cá entre nós, poucas coisas no mundo são tão boas quanto comer uma bergamota direto no pé, quando estão maduras e prontas para serem colhidas. Se entregam na plenitude de sua doçura, sabendo que nasceram para este fim.
Sejamos as bergamotas que nascemos para ser. Matteo, de três anos, foi quem me ensinou isso.