Apesar do poeta Manoel de Barros afirmar em um verso que o que é bom para o lixo é bom para a poesia, na vida real, em que a poesia precisa se esforçar para existir, o lixo faz muito mal para todos. Nos últimos tempos temos convivido com todo tipo de lixo, do mais concreto ao mais simbólico. É um lixo o que os políticos têm feito da política, o modo como tratam a cultura e as mentiras que usam para manipular. É um lixo o discurso usado por eles, promessas nunca realizadas, descaso com a população, abuso do poder público.
Da mesma forma, por vezes, carregamos dentro de nós sacos de lixo. Restos de assuntos mal resolvidos. Raivas acumuladas e que começam a fermentar. Fica difícil de conter o mau cheiro que já toma conta do ambiente. Acumulamos pilhas de memórias e lembranças doloridas. Depositamos angústias pelos cantos. São nossos sentimentos, (des)afetos que sujam nossa percepção de mundo e das relações. E mesmo quando decidimos fazer aquela faxina (sozinho ou com ajuda de um terapeuta), nos damos conta de que a limpeza precisa ser profunda e que para isso, precisamos de tempo e paciência. Afinal, são anos de uma história de vida que quebrou, embrulhamos e deixamos lá no depósito ou na garagem para um dia tentar colar.
Lixo é tudo que não serve para mais nada. É o resto. Por isso precisa de descarte correto e talvez, na melhor das hipóteses, ser reciclado. Mas para isso acontecer, precisa do envolvimento de todos.
Escrevo essa crônica observando o lixo na minha lixeira que não é recolhido há dias. Tenho ido lá, organizado os sacos com material orgânico e o reciclado e tentado entender que é da natureza da cachorrada solta do bairro a vontade de rasgar tudo, ver o que tem dentro e espalhar a sujeira pela rua. Afinal, cachorro é cachorro. No entanto, essa não é uma percepção somente minha. A cidade anda muito mais suja. As lixeiras transbordando. O recolhimento do lixo menos frequente. E pensar que Caxias já foi uma cidade muito limpa. Quando circulo pelas ruas centrais e vejo lixo espalhado pelo meio, sacolas plásticas voando entre as pessoas, restos de comida e ratos cruzando o asfalto em plena luz do dia, imagino como devem estar os bairros mais afastados do centro. É claro que não é uma questão de descaso do poder público, bem sei disso, e que há razões econômicas. Mas, é preciso lembrar que a escolha feita nas urnas reflete confiança, principalmente de que diante de situações difíceis, os escolhidos saberão resolver o problema. Não é possível que sempre o contribuinte, a população em geral, pague pelas más administrações, sejam elas do passado ou de hoje. Às vezes é, também, preciso fazer uma faxinas nas instituições.
Por fim, lembro de que precisamos sempre separar o lixo: o orgânico do seletivo, o que é meu e o que é do outro. Quantas vezes ficamos com o lixo do outro dentro de nós. Assim como cuidamos da nossa lixeira real, é preciso cuidar do nosso interno. Falar de lixo não é uma coisa muito bonita, mas é falando do que fede que descobrimos a importância de colocar fora o que é desimportante.