Adriana Antunes
Foi numa manhã indecisa que a dor atravessou a sala e sentou-se na poltrona. De fala em pausas, chorou. Contou-me de quando era pequena, do silêncio dos girassóis em dia de chuva e da dificuldade em ter alguém por companhia. Ninguém gosta da dor. Ninguém gosta de sentir dor. Mas ela existe e chega assim, sem que ninguém se dê conta. Chega devagar e instala-se. Disse-me que havia percorrido quilômetros até chegar aqui. Havia atravessado salas de jantares barulhentos, quartos vazios, vasos sem flores, ruas em dia de passeata. Contou-me que andara nas costas daquele senhor de casaco largo, nas lentes da mulher que tenta ler algo dentro do ônibus, nas pupilas da criança que observa pela janela o dia correr atrás de uma bola, no choro silencioso da mãe, na tinta da caneta que tinge as páginas de um diário, no lenço preto que esconde a falta de cabelos. A ouvi, apenas isso. Ouvi o eco de um riso que há tempos se perdeu. Ouvi os inúmeros passos dados em busca de cura. Ouvi o medo chorar de medo da morte. Ouvi um coração batendo como batem as asas do pássaro que se joga em direção ao vazio azul do céu. Ouvi a tristeza de estar só e o desejo de ser abraçada.
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