Vivemos tempos de excessos. Há um tudo em demasia. Um cotidiano desconexo que soterra o silêncio e não dá espaço para os vazios. Come-se demais, fala-se demais, bebe-se demais. Carros que buzinam. E-mails que lotam a caixa de entrada. Conversas fragmentadas em aplicativos. Corpos em excesso. Automedicação. Que cansaço. Canso das mesmas bocas, das mesmas falas, das mesmas botas, das mesmas calças, dos mesmos cabelos, das mesmas leituras. Ao mesmo tempo em que vivemos uma urgência de futuro parece haver um estado de espasmo, que paralisa nossas ações e fixa nosso desejo no externo. Paramos na demasia. Pior, alimentamos o excesso e assim, impedimos nossa expressão serena de apenas ser. Então ficamos ansiosos. Tão ansiosos que não conseguimos dar um passo sequer adiante. Que paradoxo. Há tanta vontade de mudar algo, de fazer acontecer que simplesmente travamos.
Gosto demais de Manoel de Barros e, às vezes como ele, prefiro desver isso tudo. Apesar da poesia nos ajudar a olhar para aquilo que não vemos, ela também nos mostra o quanto somos alienados de nós mesmos. Mas o que seria o excesso? Uma das possibilidades é o acontecimento. Acontecemos demais. Estamos acontecendo o tempo todo. Ou como diriam os mais jovens, estamos causando constantemente. Pensar assim nos dá a ideia do cansaço que é ter de estar acontecendo sempre, pois quando não acontecemos deixamos de ser vistos, lembrados, queridos. E, principalmente, deixamos de gozar, ter prazer. Coisa estranha essa, pois ao mesmo tempo em que buscamos o prazer de viver em todas as suas formas, cansamos disso. Ou melhor, cansamos de acontecer todos os dias.
Invoco Manoel outra vez e lembro da importância dos desacontecimentos. Esses são acontecimentos que deixaram de existir e por isso, abrem espaço para o novo, o inusitado, o vazio. Temos muita dificuldade de lidar com o nada. Às vezes confundimos com o tédio, noutras ficamos com medo do desconhecido. Por isso, sempre voltamos para nossa zona de conforto. O velho “tá ruim mas tá bom”. E ampliamos nossa capacidade de ter prazer no desprazer. Daí para a compensação é um pulinho. E é no diminutivo que a demasia se instala. É naquele pedaço a mais de pizza, naquela última taça de vinho, na roupa comprada sem necessidade, nas horas a mais trabalhando quando se podia estar em casa. Mas claro, a casa precisa ser um lugar bom para se estar, senão estaremos sempre buscando formas de fugir dos outros e, principalmente, de nós mesmos.
É possível desdobrar um pouco mais a ideia de excesso-acontecimento e pensar o acontecimento como ideia de sucesso. Acontecemos para ter sucesso. E só acontecemos (temos sucesso) se os outros nos virem. Para isso publicamos e publicamos nas redes sociais coisas nossas, selfies, encontros, brindes, viagens, corpo, amores. Não basta que possamos dizer, sem plateia, do amor que temos pela pessoa, temos de publicar o amor e os outros precisam ver. Precisamos que os outros reforcem em nós quem imaginamos ser. E outra vez, caímos no excesso. O excesso enquanto repetição. Mas afinal, repetição do quê?