Adriana Antunes
Há anos não acontecia do interfone de casa tocar por alguém pedindo comida. Lembro disso acontecer quando era criança. Lembro dos meus pais sempre comprando a mais para poder dar a quem batesse em nossa porta rasgando a realidade cotidiana e nos levando para a beira do abismo da vida dos que não têm o que pôr no prato. Agora isso voltou a acontecer. Toca o interfone, olho pela janela e lá estão dois garotos, um mais velho, de uns 12 anos e outro pequeno, de uns cinco ou seis. “Oi tia, a senhora tem algo para nos dar hoje, pode ser qualquer coisa”, dispara o mais velho. Fico com a expressão qualquer coisa na cabeça. Qualquer coisa. A vida se resume a dois tipos de pessoas. Há aqueles para quem a fome é apenas uma palavra e aqueles para quem fome é sinal de morte. Não há espaço para filosofar sobre esses todos que não têm o que comer. Assim como o discurso não resolve o problema, a reza também não. O “qualquer coisa” dos meninos revela o desespero de quem pede mais que feijão e arroz.
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