Tenho acordado no meio da noite. Um silêncio. Nas paredes as sombras. São galhos. São folhas. É março. Ontem foi 2019. Era virada de ano. Ninguém suspeitava a insônia em que se transformariam nossos dias. Abro a janela. As roseiras sobreviveram às formigas. Desabrocham, tomam chuva e depois, morrem. Mas não é hora de poda, me disse alguém. Não é hora. Ninguém sabe a hora que isso tudo vai passar. Nem eu sei quando acordo à noite, pois não gosto de relógios. Logo cedo, leio o noticiário, herança de meu pai. Há os que ainda teimam em não ver a realidade. Mas fomos vencidos. Pelo menos por agora. E fico pensando na crise que enfrentamos, enquanto troco de vaso uma costela de adão que cresceu e carece de mais espaço e que por gosto se chama Eva.
Vivemos um tempo que precisamos aceitar, viver e sentir o que ele nos exige. Essa crise de afetos que ocupa a nossa alma, nos podando antes do tempo. Esses afetos que não conseguimos nomear, que ainda não foram batizados. Mas que mesmo sem nome atingem nosso corpo e nossa mente. É possível que ao olhar para a realidade, sem filtros, sem negacionismos, sentiremos dor. Nosso corpo dói. Em mim doem os ombros. Mas sei de dores nas costas, na cabeça, no estômago, nas pernas. Doemos porque somos sensíveis, frágeis e precisamos de cuidado, como os gerânios.
Não sei se já contei isso, provavelmente sim, porque estou envelhecendo e quando envelhecemos gostamos de contar as mesmas coisas, talvez porque sejam as que realmente façam sentido, mas gosto muito de passear onde tem flores. Aprendi com a vida e suas agruras a tirar a sandália dos pés e tocar a grama, a terra ou o cascalho. Gosto de sentir a umidade do chão ou seu calor solar. Cada terreno ensina um jeito de andar. É preciso ter paciência e estar disponível. Apenas isso. E às vezes oito passos sobre pedras falam mais do tempo que carregamos dentro que do desejo de atravessar. É preciso andar com calma sobre os próximos dias, talvez semanas. Talvez a gente aprenda que a verdadeira urgência é a vida.
Então, ao final do dia, me atualizo sobre as notícias. Leio sobre o número de mortos. E um silêncio sério e pontiagudo me atravessa a carne. Milhares de milhares, pessoas que não conhecemos a história, mas que provavelmente como eu (assim como você) gostava de roseiras ou sofria de insônia, contabilizadas na vala comum de uma estatística que soma os números. E os números são frios. Como a morte.
A experiência de viver nestes tempos tão estranhos, em que nos dividimos entre os que se preocupam com a vida, os que se preocupam com o dinheiro e os que não se preocupam, talvez nos ajude a descobrir que a prioridade é a saúde física e mental. Que é preciso aprender a contar sóis e luas, amanheceres e entardeceres, que a vida é impermanência, mas que enquanto estivermos por aqui, podemos apostar nas sementes e esperar que nossas flores cresçam e possam perfumar nossas noites sem sono.