Apesar da vontade dos irmãos Santiago e Paula Battisti de chegar à comemoração dos 100 anos da loja criada pelo avô em Passo Fundo, um obstáculo os preocupa: a sucessão familiar. Os dois representam a terceira geração da empresa e não tem certeza se chegarão à quarta.
A cada 100 empresas familiares abertas, apenas 30% chegam à segunda geração e 5% à terceira conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Estudos apontam que isso ocorre porque com a chegada da geração mais jovem e as oportunidades disponíveis, fica difícil confirmar a sucessão por parte dos mais novos.
O cenário preocupa, já que 90% das empresas brasileiras têm perfil familiar e são responsáveis por 75% dos empregos, além de 65% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, segundo os dados mais recentes do IBGE.
Uma das mais tradicionais lojas de calçados da cidade, a Battisti está há 83 anos em Passo Fundo, fundada pelo italiano Giovanni Ferdinando Battisti da Itália. Conhecido como "João Sapateiro", ele passou o legado aos quatro filhos, mas apenas um permaneceu cuidando do sonho do pai. Hoje, os netos Paula e Santiago trabalham para manter o negócio.
Para a consultora empresarial e pesquisadora em empresa familiar, Denize Grzybovski, os filhos dos responsáveis pelo negócio são criados para ter mais independência do que os pais tiveram antigamente.
— Hoje em dia os jovens são criados para ter mais liberdade, são formados para um mundo que o pai não teve a vivência. Quando ocorre essa sucessão, o que a gente mais observa é uma grande transformação da organização, porque os mais novos chegam com discussões tecnológicas e mais inovação, reconfigurando todo o negócio — afirma.
Vivência nos negócios
Existe um fator importante na hora da decisão por parte da nova geração: a convivência. A falta de envolvimento dos filhos com a história e a essência do negócio pode ser um ponto de atenção para a sucessão familiar.
— Quando a criança acompanha os pais no local de trabalho vai criando uma relação com aquele lugar e com as pessoas. Eles vão criando um amor pela empresa. Se você conversar com algum adulto que está atuando no negócio da família ele vai dizer exatamente isso — explica Denize.
Para os irmãos Paula e Santiago, a longevidade do negócio não tem nenhum segredo: amar o que se faz.
— Nós nos criamos e crescemos dentro da loja. Nossos berços ficavam nos provadores. A gente sempre teve uma função dentro da loja. Eu mesmo falava que era caixa, mas na verdade eu só ajudava a carregar as caixas de mercadoria quando chegavam — relembra Santiago.
Sucessão Rural
Além da geração de empregos e do desenvolvimento econômico local, empresas familiares tendem a trabalhar com uma abordagem de longo prazo, o que pode promover uma estabilidade econômica maior.
A pesquisadora Denize Grzybovski conta que a sucessão familiar vai além da passagem de bastão de pais para filhos. As propriedades rurais, por exemplo, seguem um modelo mais tradicional:
— É comum a gente ver essa transferência sempre para o filho homem. A mulher geralmente não tem muito espaço. Mas cada ação que eles fazem para a sucessão é sempre muito bem pensada. Eles imaginam no futuro quem será o responsável por tudo aquilo.
Na contramão dessa tendência, a família da produtora rural Denise Rosso Casanova passou a produção de queijos de avó para filha e neta. Formada em nutrição, ela lembra que a mãe ganhou uma vaca de leite no casamento e decidiu seguir com a produção para manter a independência financeira.
— Eu trabalhei na cidade por um tempo, mas sentia muita falta do interior e decidi voltar. Com o tempo nós fomos nos aperfeiçoando e legalizando o negócio para tornar uma atividade da propriedade — relata Denise.
De avô para neta
A falta de sucessores pode estar ligada à ausência de herdeiros ou simplesmente à falta de vontade de seguir com a empresa criada pela família. O problema está na não preparação do herdeiro para dar continuidade, pontua a especialista Denize Grzybovski.
Na família Sobiesiak, o processo de sucessão iniciou ainda na adolescência dos irmãos Cassiano, Carina, Cristiano e Igor, quando o avô convidava os netos a passarem uma hora por dia na empresa para conhecer setores e processos.
A Auto Esporte foi fundada em 1950 em Passo Fundo, pelos irmãos Walter e Elóy Sobiesiak. O negócio completou 70 anos em junho de 2024, sob a administração coletiva da segunda e terceira geração.
Ao todo, oito familiares de diferentes gerações administram a empresa atualmente. Carina Sobiesiak diz que houve uma época em que as três gerações atuaram juntas nas decisões do negócio, o que demandou muita conversa para inserir a tecnologia nos processos.
— A experiência que o meu avô e o Elóy tinham era incrível. Claro que com a diferença de idade aconteceram atritos, mas sempre muitos respeitosos. Era aquela fusão da experiência dos fundadores com a energia de quem queria colocar em prática o que estava aprendendo na faculdade — afirma.
Para Carina, manter a essência do negócio foi um dos fatores que perpetuou o empreendimento por tanto tempo. Contudo, nenhum dos herdeiros da quarta geração atua no negócio no momento, mas os administradores torcem para que isso mude e o legado se mantenha pelos próximos anos.