Em janeiro de 2023, Passo Fundo registrou o maior número de famílias em situação de pobreza extrema inscritas no Bolsa Família: das 10,4 mil beneficiadas pelo programa, 7,2 mil tinham membros familiares que sobreviviam com até R$ 85 mensais.
O índice foi o mais alto registrado desde 2012, quando o governo federal começou a publicar os dados. Já em maio deste ano, 6,6 mil famílias estavam na classificação, o que significa que 600 saíram da linha de extrema pobreza nos primeiros quatro meses do ano.
Na cidade, o benefício médio oferecido gira em torno de R$ 600. Segundo a Secretaria de Cidadania e Assistência Social (Semcas), Passo Fundo ainda tem 10,4 mil famílias cadastradas no programa, que completa 20 anos em outubro.
O número representa mais de 27 mil moradores da cidade— o que significa 13,2% da população passo-fundense. Dos beneficiários, cerca de 60% são mulheres e 40% homens.
Apoio à dignidade
Para participar do Bolsa Família, a regra é que cada membro da família tenha renda mensal individual de até R$ 218. Isso significa que toda a renda somada na família, quando dividida pelo número de pessoas, deve ser de no máximo R$ 218 para cada um.
Também é a partir da renda que é definida a situação de pobreza ou de extrema pobreza. A primeira inclui pessoas com renda mensal entre R$ 85 e R$ 170, que tenham crianças ou adolescentes de até 17 anos. Já a extrema pobreza é o caso de pessoas que sobrevivem com até R$ 85 mensais.
O secretário da Semcas, Rafael Bortoluzzi, classifica o programa como uma oportunidade de dar dignidade e fortalecer famílias a fim de que, um dia, conquistem a independência financeira.
— A economia insere as pessoas na sociedade e as emancipa. E é justamente isso que o programa propõe: inseri-las provisoriamente até que elas consigam a emancipação financeira, e passem a se sustentar pela força do próprio trabalho — disse.
É o caso da recicladora Paloma Castanho Camara, 25 anos. Moradora da ocupação Pinheirinho Toledo, no bairro Petrópolis, em Passo Fundo, ela trabalha com o recolhimento de itens recicláveis para sustentar os seis filhos, com idades entre 9 anos e oito meses.
Com eles, divide uma pequena casa erguida com madeiras de demolição achadas por ela, mobiliada com itens doados ou também garimpados pela cidade. Frente à incerteza do lucro dos recicláveis, é com o benefício do programa que ela compra fraldas e leite para os pequenos.
— Eu vivo um dia de cada vez, é uma batalha diária. Sem o benefício eu não sou nada, não sobreviveria, pois a reciclagem dá muito pouco. Eu “mato cachorro a grito”, tem dia que não tem um arroz para colocar na mesa. E, para completar, não estou conseguindo um emprego meio turno, que seria o ideal pelos meus filhos — relata.
Pandemia acelerou desigualdade
O aumento da extrema pobreza no Brasil tem a ver com a desigualdade social e má distribuição de renda potencializados na pandemia, disse Rosane Janczura, doutora em Serviço Social e professora da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
— É difícil eliminar a pobreza, mas temos alguma chance de diminuí-la. Estudos mostram que seriam necessários de R$ 43 bilhões a R$ 80 bilhões anuais para que toda a população brasileira superasse a extrema pobreza, o que é um valor inferior aos gastos do governo federal com o Bolsa Família em 2022 — disse.
A realidade é que erradicar a extrema pobreza requer um esforço enorme — e é um desafio não só do Brasil, mas de todo o planeta. Segundo o Banco Mundial, mais de 700 milhões de pessoas vivem com até R$ 85 mensais e é improvável que o mundo consiga reduzir esse número até 2030.
Depois da pandemia, esse cenário só se aprofundou. No Brasil, quase 11 crianças e adolescentes estão em situação de extrema pobreza, segundo levantamento da Fundação Abrinq.
— A pandemia foi mais um gatilho para o aumento da pobreza. Andando nas ruas, a gente vê muitas pessoas pedindo comida, bem mais que havia antes da Covid. Essas crianças e adolescentes brasileiros em extrema pobreza têm a família como pano de fundo, que também estão vulneráveis. E esse aumento passa pelo desemprego, muito impulsionado na pandemia.
Mas, apesar do Bolsa Família ser uma alternativa para aliviar a desigualdade, é improvável que o programa acabe de vez com a pobreza extrema. O motivo, segundo a pesquisadora, é que a vulnerabilidade econômica continuará existindo enquanto houver concentração de renda.
— O cenário que vemos hoje no Estado é de cautela. Teríamos que ter mais benefícios, programas, projetos e serviços qualificados, assim como recursos financeiros alocados à assistência social. A esperança é que os governos municipais estaduais e federais coloquem uma lupa nas questões que envolvem a população de rua e vulneráveis daqui para frente — pontuou a especialista.