As particularidades do pleito presidencial norte-americano, no qual o vencedor é definido pelo Colégio Eleitoral e cada Estado tem normas próprias e distintos sistemas de votação, nada mais é do que o resultado da estabilidade do federalismo dual que perdura desde o final do século 18. É um processo bem mais complexo do que o brasileiro, é verdade, além de sujeito a dias de espera para se conhecer o inquilino da Casa Branca pelos quatro anos seguintes. Mas reflete, sobretudo, uma escolha consolidada, desde a Constituição de 1787, de dar aos Estados-membros mais autonomia e prerrogativas e menos força ao poder central. Difere do Brasil, onde a União é dominante em relação aos demais entes.
Sistema norte-americano reflete a escolha de dar aos Estados-membros mais autonomia e prerrogativas e menos força ao poder central
Deve-se lembrar que os Estados Unidos já se originaram da independência das 13 colônias em relação à Inglaterra. Eram territórios sem vínculos formais entre si e que depois adotaram o federalismo para moldar um país, mas mantendo poderes e responsabilidades. Ao contrário do Brasil, que nasceu como uma monarquia unitária. Após a proclamação da República, em 1889, tentou-se adotar os mesmos princípios norte-americanos, mas ao longo do tempo, conforme regimes autoritários interrompiam a trajetória democrática, a descentralização sofria retrocessos. A solidez institucional norte-americana, por sua vez, manteve em larga medida intacto o federalismo de duas esferas de poder igualmente autônomas, a federal e a dos Estados.
A eleição para a presidência nos EUA, como se sabe, é indireta. Os eleitores votam nos delegados de cada candidatura que representam o seu Estado no Colégio Eleitoral. O vencedor leva para o Colégio Eleitoral os votos da integralidade desses representantes locais. Todos democratas ou todos republicanos. As exceções são Nebraska e Maine. No total, são 538 delegados no país, distribuídos em 50 Estados e Washington D.C. Ganha quem conquistar a maioria simples. O sistema foi adotado há mais de 200 anos como maneira de equilibrar o poder entre os Estados, devido às dificuldades logísticas que uma eleição direta teria à época e para evitar que um aventureiro com promessas mirabolantes chegasse ao comando do país.
O respeito à soberania também fala mais alto na organização da eleição para a Casa Branca. Não há nada semelhante a um órgão centralizador a exemplo da Justiça Eleitoral no caso brasileiro, que administra, apura os resultados e proclama os vencedores. Essas também são atribuições dos Estados.
Não se trata, aqui, de considerar o modelo norte-americano ideal ou capaz de inspirar outros países, como o Brasil, que conta com um processo elogiado internacionalmente, seguro e ágil. É mais justa e igualitária a regra em que todo voto conta igual. Apenas se constata que, a despeito de suas vicissitudes e imperfeições, foi o sistema que ajudou a forjar a mais poderosa democracia do mundo, baseado no princípio secular de que o resultado final reflete a maioria alcançada em cada Estado. Mas só é uma fórmula possível devido ao apego aos pilares federalistas. Ainda assim, são tempos de extrema polarização. O teste de fogo pode estar próximo com o confronto entre a democrata Kamala Harris e o republicano Donald Trump, devido ao risco de uma onda de contestações judiciais espalhadas por todo o país. Os próximos dias dirão.