Por Emilia Gischkow Fattori, psicóloga
Sou judia de corpo e alma. Identifico-me profundamente com a história e a coragem do povo judeu, personaficado nos meus queridos avós. Recordo-me com carinho de meu avô se preparando para a reza diária, com o xale, o kipá, o livro das orações e, o que mais me encantava, as pequenas caixas de couro com versos da Torá. A minha mãe acendendo velas todas as sextas-feiras, pedindo proteção para a família, era mágico. Ser filha de mãe judia e de um pai não judeu, mas com grande conhecimento e respeito com a cultura e a história judaica, certamente influenciou minha visão de mundo.
Para mim, ser judia não se resume à religião, mas sim a um sentimento de pertencimento, de orgulho por uma história de resiliência
Meus filhos não foram circuncidados, apesar de meu marido, católico praticante, ter sugerido isso. Para mim, ser judia não se resume à religião, mas sim a um sentimento de pertencimento, de orgulho por uma história de resiliência. Acredito que, após tudo que o povo judeu enfrentou e continua enfrentando, somos inevitavelmente diferentes.
Por outro lado, gosto de me sentir aberta ao mundo e às pessoas, independentemente de raça ou religião. Simples assim.
Foi com essa abertura que, durante uma viagem à Turquia, encontrei uma pequena mesquita fechada. Buscando informações, fui recebida por uma pessoa que não só a abriu, mas também começou a rezar. A imagem daquele homem rezando, com sua disponibilidade e fé, é uma das mais marcantes que já vivi. O cântico da sua reza me transportou no tempo, fazendo-me lembrar da oração do meu avô. Senti-me profundamente grata. Queria abraçar aquele senhor e compartilhar minhas memórias e as semelhanças da reza, mas os receios me contiveram.
É uma recordação linda, mas ao mesmo tempo reforça minha indignação: como podem os seres humanos gerar tanto ódio? Como podem ter percepções tão distintas a ponto de continuar se matando? Entendo o impacto das experiências e do ambiente sobre cada um de nós. Compreendo como o viés de confirmação — a tendência de buscar e interpretar informações de maneira que confirmem nossas opiniões — reforça nossas percepções. Mesmo assim, permaneço incrédula e pasma. Odiar é mais fácil do que amar?