O chocante caso do atirador de Novo Hamburgo é mais um episódio a evidenciar a premência do endurecimento de regras para obter e renovar o registro de Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador (CAC) e de acompanhamento mais apurado da situação criminal ou de saúde mental dos que obtêm esse direito. Uma fiscalização rigorosa se torna ainda mais necessária pelo salto no número de CACs a partir da política desmedida de armar a população do governo Jair Bolsonaro. Em 2018, eram cerca de 117,5 mil pessoas certificadas nesta categoria. Ao final de 2022, mais de 783 mil registros, um crescimento de 566%. Os dados são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. As licenças são fornecidas pelo Exército.
Uma fiscalização rigorosa se torna ainda mais necessária pelo salto no número de CACs durante o governo Bolsonaro
O que espanta, no caso de Novo Hamburgo, é o fato de o atirador, Edson Fernando Crippa, 45 anos, ter o registro de CAC e ter duas armas legalizadas, mesmo com um diagnósticos de esquizofrenia e ao menos quatro internações por problemas psiquiátricos. Os mais de 300 disparos efetuados por Crippa entre a noite de terça-feira e a manhã de quarta-feira resultaram em quatro mortos e oito feridos.
A legislação exige exame psicológico para obter uma arma e a Polícia Federal (PF) vai investigar como o homem foi aprovado no teste psicotécnico. Ainda assim, deveria existir uma forma de as autoridades terem acesso a informações de saúde mental de cidadãos interessados em se tornarem CAC ou com registro em vigor, em especial em situações de psicose que possa levar a comportamento violento. A evolução tecnológica permite esse avanço. Resta aguardar avanço legislativo nesse tema.
O Ministério da Justiça tem anunciado que, a partir de janeiro, vai mudar algumas regras. O controle dos CACs passa do Exército para a PF. A pasta também reforçou na quarta-feira que pretender fazer uma reavaliação rigorosa dos registros.
A gestão militar se mostrou bastante falha, conforme atestou relatório finalizado neste ano pelo Tribunal de Contas da União (TCU). As conclusões mostram um quadro de descontrole. Entre 2019 e 2022, mais de 5 mil condenados por tráfico de drogas, homicídio e outros crimes conseguiram ou renovaram licença de CAC. O mesmo aconteceu com 2,7 mil pessoas com mandado de prisão. Outras 22 mil eram do CadÚnico, o cadastro federal de habilitados a programas de transferência de renda. Tudo indica que eram laranjas. São dados a demonstrar que criminosos tiraram proveito da facilitação do acesso a armas. Mas não para por aí. Reportagem recente do jornal O Estado de S. Paulo apontou que os roubos e furtos de armas de CACs triplicaram. A média mensal passou de 62 em 2018 para 181 neste ano. Novamente, é armamento legal que vai parar nas mãos de bandidos.
Um decreto do governo Lula de julho de 2023 restringiu as regras para registro, posse e porte de armas de fogo e para a atividade de CAC. Ainda assim, o crescimento exponencial da venda de armamento nos últimos anos exige ao menos medidas que revertam o descalabro da falta de fiscalização eficiente.