O cenário internacional tensionado por guerras, disputas geopolíticas e conflitos comerciais exige do Brasil extrema habilidade diplomática. Deve existir especial cuidado no âmbito do Brics, a partir de uma maior inclinação do grupo, sob influência crescente da Rússia e da China, de se tornar um bloco com viés antiocidental, antagonizando com EUA e Europa. Com a Índia, o Brasil teve, ao longo do tempo, uma postura de buscar evitar essa direção, o que gerava um certo equilíbrio interno de forças.
Preocupa que o Brasil seja visto como aliado de governos de natureza antidemocrática e de orientação antiocidental
A cúpula do Brics, em andamento na Rússia, porém, já demonstra diluição da influência do Brasil no bloco, que além dos quatro países conta também com a África do Sul, mas ampliou-se com a entrada aprovada no ano passado de outras cinco nações: Egito, Irã, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Arábia Saudita. Esta ainda não respondeu se vai aderir. No encontro desta semana, também foi indicada a chegada de novos Estados na categoria de parceiros – Argélia, Belarus, Cuba, Bolívia, Indonésia, Malásia, Turquia, Uzbequistão, Cazaquistão, Tailândia, Vietnã, Nigéria e Uganda. Nenhum tem uma democracia à altura da brasileira. Em vários casos, são ditaduras escancaradas ou regimes sem plenas liberdades. Os casos de Rússia e China, fundadores do bloco, são bastante conhecidos.
Preocupa, portanto, que o Brasil seja visto como aliado de governos de natureza antidemocrática e de orientação antiocidental. O mais adequado é evitar essa desconfiança. Para isso, basta seguir a linha histórica do Itamaraty de não alinhamento automático da política externa e de priorizar os próprios interesses brasileiros, extraindo concessões e vantagens dos polos em disputa, como é o caso dos Estados Unidos e da China.
O Brics surgiu na segunda metade dos anos 2000 a partir da percepção de que as instituições globais de governança não serviam adequadamente aos interesses dos emergentes por serem dominadas pelos países desenvolvidos do Ocidente. É legítimo buscar um mundo multipolar e coordenar ações políticas, econômicas e diplomáticas conforme as aspirações dos Estados em desenvolvimento. Mas perturba notar os riscos de os princípios originais serem distorcidos para dar lugar a uma aliança iliberal.
Devido ao acidente doméstico que sofreu, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não viajou à Rússia. Escapou, assim, do desgaste de aparecer em fotos com o anfitrião e senhor da guerra Vladimir Putin ou com Masoud Pezeshkian, o presidente do Irã, país financiador de grupos terroristas no Oriente Médio. Merece registro o fato de o Brasil ter barrado o ingresso da Venezuela e da Nicarágua, duas ditaduras de esquerda latino-americanas, na relação de parceiros do Brics. O veto, no entanto, se deve muito aos estranhamentos recentes dos dois governos com a gestão petista.
O Brasil volta a assumir em 2025 a presidência rotativa do Brics. As pautas prioritárias anunciadas são reforma da governança global, multilateralismo, desenvolvimento sustentável e combate à fome e à desigualdade. Melhor será se essa agenda de fato concentrar as atenções do bloco, retirando qualquer espaço de instigação a tensões. O Brasil, ademais, não deve jamais esquecer que pertence ao grupos das nações democráticas.