Toda a mobilização de autoridades após a devastadora cheia de maio, com a promessa de que não faltaria crédito ágil e desburocratizado para a reconstrução do Estado, representou um alento para milhares de empresários gaúchos em um momento de desolação. Quem teve o negócio destruído ou sofreu sérios prejuízos pela enxurrada e pelos alagamentos se agarrava à esperança de que teria em breve o amparo necessário para reabrir as portas e retomar as operações. Financiamento em condições facilitadas não seria problema, bradou o poder público, em especial o governo federal, detentor dos mais robustos instrumentos para socorrer os empreendedores. Cem dias depois da maior tragédia climática do país, o que não falta é frustração e indignação.
Os dados do Painel da Reconstrução, do Grupo RBS, mostram que somente 26,38% do crédito emergencial prometido chegou à ponta. É um percentual irrisório, levando-se em conta o número de CNPJs direta ou indiretamente afetados e a magnitude sem precedentes da destruição. Dos R$ 58,8 bilhões anunciados, apenas R$ 15,5 bilhões foram pagos. Empresários e lideranças de entidades vêm relatando entraves de toda ordem. Referem burocracia e rigor excessivo nos critérios para os tomadores acessarem as linhas, como a dificuldade de apresentar garantias. É preciso se insurgir contra esse quadro de letargia e de promessas ao vento e pressionar por soluções efetivas. O próprio Ministério de Apoio à Reconstrução parece ter entregas bem abaixo das expectativas criadas.
É preciso se insurgir contra esse quadro de letargia e de promessas ao vento e pressionar por soluções efetivas
A questão das garantias bancárias escancara uma situação paradoxal. São exigidas de empresas que foram fisicamente arrasadas, perderam bens e se localizam em áreas hoje condenadas. O resultado é que a ajuda não chega a quem mais precisa. Seria uma condição aceitável em uma situação normal, o que está longe de ser o caso da tragédia gaúcha. A saída óbvia seria a criação de um fundo garantidor para essas operações, demanda que não foi atendida. É ilustrativa a dificuldade da fabricante de produtos de higiene e limpeza Fontana, de Encantado, no Vale do Taquari. Foi atingida pelas enxurradas de setembro e novembro do ano passado e pela de maio. Das 13 linhas de produção, apenas três estão operando. Mesmo assim, não conseguiu o crédito prometido pelo governo federal e teve de buscá-lo no mercado, nas condições normais, sufocantes para quem precisa se reerguer após prejuízos pesados em série.
A reconstrução do Estado passa pela recuperação do tecido econômico formado por milhares de empresas de todos os portes que produzem, vendem e prestam serviços, geram emprego e renda. Se uma parte sucumbir por não ter recebido o auxílio necessário em tempo hábil, a recuperação será mais lenta, dolorosa, acompanhada de grave drama social e com sequelas para o futuro. Deve-se lembrar que, entre maio e junho, o Rio Grande do Sul perdeu 30,5 mil postos de trabalho. Se esses trabalhadores não tiverem perspectivas, o Estado corre o risco de perder mão de obra qualificada para outras unidades da Federação, realimentando um pernicioso ciclo de desalento.