Mais de duas semanas após o pleito presidencial da Venezuela, não há quem ainda possa ser condescendente ou fazer-se de ingênuo e esperar que o ditador Nicolás Maduro apresente as atas eleitorais que demonstram o resultado por seção. Se este detalhamento confirmasse a vitória do incumbente, já seria conhecido pelo mundo. Mantê-las sob sigilo apenas reforça a convicção de que a reeleição de Maduro foi uma fraude grosseira.
O papel correto do Brasil seria o de mediar uma solução que tivesse como desfecho a saída de Maduro
O governo brasileiro tarda demais em mudar a postura. Acima de qualquer afinidade ideológica deveria estar a questão moral. Passa da hora de o país deixar de apenas não ter uma posição definitiva e admitir que não há como reconhecer o resultado proclamado diante dos fatos e indícios de farsa.
O Brasil foi mais de uma vez ludibriado por Maduro. A mais recente enganação foi a promessa do autocrata ao assessor internacional do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, embaixador Celso Amorim, no dia 29 de julho, de que as atas seriam apresentadas nos dias seguintes. Mesmo assim, o governo brasileiro segue complacente, como mostra a ideia mais recente, de sugerir um tira-teima com novas eleições.
Lula partiu para uma articulação conjunta com os presidentes de esquerda da Colômbia, Gustavo Petro, e do México, Andrés Manuel López Obrador. Em um comunicado no dia 1º de julho, os três países instam as autoridades eleitorais da Venezuela para que “avancem de forma expedita e divulguem publicamente os dados desagregados por mesa de votação” e alertam que “o princípio fundamental da soberania popular deve ser respeitado mediante a verificação imparcial dos resultados”. Passaram-se 12 dias do comunicado e não há informação transparente prestada pela Venezuela, muito menos aferição independente. É possível que ainda nesta semana Lula, Petro e Obrador conversem sobre o tema.
A única reação do regime foi endurecer a repressão, com a prisão de opositores e jornalistas, ante a explosão de protestos após o resultado nada crível. Organizações independentes asseguram que a vitória foi do oposicionista Edmundo González Urrutia, como indicava a maioria das pesquisas de intenção de voto. Entre elas está o principal observador internacional do pleito, o Centro Carter, que chegou a essa conclusão após analisar atas eleitorais coletadas pela sociedade civil e por representantes de agremiações da oposição.
Compreende-se que Maduro tente de todas as formas esconder o resultado verdadeiro. Ditadores recorrem a violações e delitos em série para permanecer no poder, e o presidente venezuelano é acusado de vários – entre eles crimes contra a humanidade – pela ONU. Ele e seus aliados temem o banco dos réus.
O papel correto do Brasil seria o de mediar uma solução que tivesse como desfecho a saída de Maduro e o respeito à soberania popular. Podem ser negociados os termos de uma transição para a democracia, como acena a oposição. O jornal The Wall Street Journal noticiou que governo dos EUA teria ofertado uma espécie de anistia a Maduro. A Casa Branca não confirma. Nas tratativas em busca de uma solução, só não se deve transigir quanto ao direito de o eleitor venezuelano definir o destino de seu país.