Por Gabriela Ferreira, consultora em inovação e professora da PUCRS
Em tempos de inteligência artificial, a última coisa em que poderíamos pensar seria no retorno do velho caderno de caligrafia. Mas, para alívio de uns e desespero de outros, o que parece antigo está de volta. Essa possibilidade está associada a uma onda de valorização da escrita à mão e, especialmente, do uso da letra cursiva. Em que pese toda a tecnologia disponível e o grande uso de equipamentos digitais, a ciência está questionando o impacto do não escrever – e apenas teclar – sobre o intelecto humano. E não é (somente) sobre desenvolver a motricidade fina e fazer letras elegantes e fáceis de ler: é, principalmente, sobre o desenvolvimento do cérebro e de aprendizados como criatividade e paciência.
A escrita cursiva utiliza funções cerebrais muito mais complexas do que a utilização de um teclado
Em 2010 um estudo com crianças em anos iniciais nos Estados Unidos já havia descoberto que a escrita cursiva utiliza funções cerebrais muito mais complexas do que a utilização de um teclado. Virginia Berninger, pesquisadora da Universidade de Washington, diz que “A escrita é a forma como aprendemos o que pensamos”. Em 2022, estudo de autoria de Karin James, da Universidade de Indiana, confirmou que existem áreas fundamentais do cérebro para o aprendizado que são ativadas quando aprendemos a escrever as letras. Para a professora Audrey van der Meer, da Universidade da Noruega, em estudo publicado em 2024, “a conectividade cerebral gerada é crucial para a formação da memória e para a codificação de novas informações”.
E o que está acontecendo nas escolas?
A escrita cursiva ainda é amplamente ensinada em países como Reino Unido, Espanha, Itália, Portugal e França. Já a Finlândia, por outro lado, pôs fim à exigência da escrita cursiva de suas escolas em 2016. O Canadá tentou abolir a escrita cursiva, mas voltou a ensiná-la em 2023. Também os Estados Unidos estão retomando a escrita à mão nas escolas. A Suécia é um país que está revendo a digitalização como um todo nas escolas. Seu renomando Instituto Karolinska divulgou comunicado, em 2023, dizendo que “há provas científicas claras de que as ferramentas digitais prejudicam, em vez de melhorar, a aprendizagem dos alunos”. No Brasil – ufa! –, a Base Nacional Comum Curricular preconiza o ensino da letra cursiva nos primeiros anos do Ensino Fundamental.
A questão não é usar ou não usar a tecnologia, já que ela pode, sim, ajudar na formação das pessoas. Trata-se de entender os processos e os momentos adequados. Estamos desenvolvendo seres humanos pensantes ou criando máquinas reativas e cumpridoras de tarefas? Eis a questão.
De qualquer forma, o caminho é um só: enquanto nos dedicarmos às consequências e não atuarmos nas causas, não vamos andar. Não para a frente, pelo menos.