Por Fabio Brun Goldschmidt, advogado tributarista
O personagem Calvin, dos quadrinhos de Bill Watterson, notabilizou-se pelo seu traço imaginativo e irreverente. Cheio de ideias, não queria parar de brincar para fazer coisas de que desgostava, como arrumar o quarto e realizar a lição de casa. Para solucionar esses “problemas” criou uma máquina duplicadora (um caixote de papelão) que reproduzia o próprio Calvin de modo que cada uma de suas réplicas se dedicasse simultaneamente às tarefas.
Desde 2017, o STF passou a contar com novos integrantes. Primeiramente, foi o Vitor, robô de inteligência artificial que faz a análise de temas de repercussão geral na triagem de recursos. Depois, veio a Rafa, desenvolvida para integrar a Agenda 2030 da ONU ao STF, por meio da classificação dos processos de acordo com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável definidos pelas Nações Unidas. E, por último, desde maio, veio a Vitória, que identifica os processos que tratam do mesmo assunto e os agrupa automaticamente, identificando “com mais agilidade e segurança processos aptos a tratamento conjunto ou que podem resultar em novos temas de repercussão geral” (conforme o STF).
Apesar de entender inexorável a tendência ao IA, o fato é que um número significativo de erros tem ocorrido
No primeiro semestre de 2023, o STF proferiu 50.162 decisões, sendo 41.722 monocráticas e 8.440 colegiadas. Um aumento de 63% em relação ao ano anterior, o que causa certa espécie. Primeiramente, pelo quantitativo desumano (ênfase no adjetivo) de processos julgados – em tese – por apenas 11 ministros. Segundo, pelo fato de que mais de 90% desses julgamentos foram monocráticos. Por último, pelo incremento assombroso de decisões, o que dificulta até mesmo o trabalho de revisão. Afinal, ninguém deseja passar por anos de litígio para chegar ao mais alto tribunal do país e ter seu caso julgado monocraticamente, especialmente se esse julgador não for formado em Direito, não tiver passado pela sabatina do Senado e sua base de conhecimento for limitada aos acórdãos da própria Corte.
Apesar de entender inexorável a tendência ao uso de IA (em parte decorrente do desejo do próprio STF de estender sua competência jurisdicional) e parabenizar a iniciativa transformadora, o fato é que um número significativo de erros tem ocorrido, passados seis anos do início desta era. É muito para uma Corte que dá a palavra final. Há temas cuja constitucionalidade foi reiteradamente analisada em plenário (IRPJ sobre juros moratórios e Difal do ICMS, por exemplo), que Vitor e Vitória “entendem” se tratar de matéria infraconstitucional, em erro elementar. Uma mãozinha do genial Calvin seria bem-vinda nessa hora. Sabemos que os novos ministros são trabalhadores, mas ainda lhes falta o notório saber jurídico.