Além da simplificação do sistema de impostos sobre o consumo, um dos grandes benefícios da reforma tributária, agora em análise no Senado, é dar fim à guerra fiscal entre regiões e Estados do país. Quando o texto foi apreciado pela Câmara, em julho, por apenas um voto não foi incluída no texto uma emenda que contrariava esse espírito. Travava-se de uma tentativa de ampliar até 2032 incentivos fiscais para montadoras de veículos instaladas no Nordeste, no Centro Oeste e no Norte. O tema foi abordado na edição de ontem de Zero Hora pela colunista Giane Guerra.
Espera-se que os senadores gaúchos, comprometidos com os interesses do Estado, somem-se aos esforços para barrar essa deturpação
A pressão nos bastidores para incluir esse ponto na reforma não cessou. Permanece no Senado, gerando disputa entre as próprias montadoras. A ampliação do benefício favorece a Stellantis, proprietária das marcas Fiat, Peugeot, Citroën e Jeep. A companhia tem uma fábrica no município de Goiana (PE), mas uma decisão do ano passado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu à empresa o direito de usufruir dos créditos de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) excedentes gerados na planta pernambucana também em suas unidades no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, no Sudeste. Curioso, no mínimo.
O resultado, conforme outras fabricantes, é que a Stellantis consegue vender seus produtos por valores até 20% inferiores à média do mercado. Não há dúvida de que é uma grande vantagem ante a concorrência.
Os incentivos especiais para montadoras no Nordeste e no Centro-Oeste são da década de 1990, no âmbito das Políticas Automotivas de Desenvolvimento Nacional (PADR). Valeriam até 2010, prazo para que as plantas se estabelecessem, criassem uma cadeia de fornecedores próxima, se tornassem competitivas como as demais e, assim, não necessitassem mais de renúncia fiscal. Ocorre que o benefício foi duas vezes prorrogado e está, agora, previsto para ser encerrado no próximo ano. A Stellantis alega que a fábrica é mais recente e, por isso, ainda não teria transcorrido tempo suficiente para que o negócio caminhasse com as próprias pernas.
Uma nova renovação desta vantagem estende a distorção causada no mercado. O fato de a montadora conseguir colocar à venda seus veículos por um valor um quinto abaixo das demais fabricantes é um indício robusto desse desequilíbrio. Uma das unidades mais prejudicadas, por óbvio, é a da General Motors (GM) em Gravataí, na Região Metropolitana, distante do principal polo automobilístico do país, em São Paulo. A continuidade desse benefício pode, adiante, levantar dúvidas sobre planos da GM de elevar investimentos no Estado e ampliar a produção.
A eventual prorrogação do favorecimento encontra oposição da maior parte das montadoras e regiões que não usufruem desta prerrogativa. São conhecidos no Brasil os casos de tentativa de transformar uma ajuda temporária, que até poderia ter boas justificativas no princípio, em algo indefinidamente alongado. Espera-se que os senadores gaúchos, comprometidos com interesses do Estado, somem-se aos esforços para barrar essa deturpação. Não se trata apenas de uma querela regional. É um desvirtuamento de um dos princípios da reforma tributária de diminuir ao máximo possível a quantidade de exceções e vantagens localizadas.