Alfredo Fedrizzi, conselheiro e consultor
Eles atuam em quatro continentes, em inúmeros ramos de negócios. No Brasil, são 30 mil pessoas por todos os Estados. Têm uma rede de apoio de mais de 2 milhões de pessoas. Funcionam descentralizados e com autonomia. Não existe um líder único. Todos os quadros são rotativos. Pensam em rede. Recusam-se a ser mais do que qualquer um dos seus pares. Tratam-se como irmãos. A liderança precisa servir aos demais. Não dão ordens, mas ouvem aqueles que representam. Debatem problemas e cuidam da paz em cada região.
Não estou falando de uma grande empresa, mas do Primeiro Comando da Capital (PCC), que nasceu na cadeia, em 1993, logo depois do massacre do Carandiru. Segundo um de seus líderes, o objetivo é praticar “o certo na vida errada”. Esse relato acima está no livro Irmãos – Uma História do PCC, do sociólogo Gabriel Feltran, resultado de 20 anos de pesquisa sobre a maior organização criminosa do Brasil. Mostra como eles se profissionalizaram e se expandiram.
O que a gestão do PCC deixa claro é que, para criar um espírito de comunidade, precisamos, enquanto sociedade, reduzir a desigualdade
Marcola, um dos maiores líderes, já morto, definiu assim o PCC: “Presos apoiam presos, marginais na rua apoiam os marginais na rua, e assim vai. É uma luta justa dos miseráveis contra os poderes estabelecidos, que não permitem ter nenhum tipo de melhora na vida. A gente vai ser sempre bandido. Não tem jeito”. Fazem negócios legais e ilegais. Não se organizam como outras facções, ocupando territórios.
O PCC garante segurança aos “negócios”, através de alianças e parcerias. Cada um no seu espaço. O objetivo da sociedade é o progresso dos “irmãos”. As ações criminais são o meio para esse progresso. Recruta seus membros nas periferias das cidades – gente que sofre com a miséria e a falta de perspectivas. Treina nos presídios. É curioso que uma facção incorpore práticas avançadas: autogestão, distribuição do poder, liderança não personalista, tratar todos como iguais, foco no cliente interno e externo. O mundo do crime, infelizmente, faz parte da periferia urbana. Tem legitimidade social, pelo que faz para os seus e as comunidades onde atua. É uma instância de poder nos bairros pobres. Gera renda. Impacta a vida de todos. A leitura do livro é inquietante.
Perceber que essa facção, praticando crimes, consegue atuar gerando melhores condições de vida para os pobres da periferia, coisa que o Estado não consegue fazer, é aterrorizante. O resultado disso é o crescimento da violência. Os presídios tornaram-se escolas de aperfeiçoamento do crime. Essa política de encarceramento em massa, o uso da violência policial, desrespeito, exploração, falta de perspectivas é o grande mercado de crescimento do crime.
O que a gestão do PCC deixa claro é que, para criar um espírito de comunidade, precisamos, enquanto sociedade, reduzir a desigualdade, criar oportunidades, escutar e ajudar as pessoas humildes das periferias a prosperar. Só assim teremos alguma chance de reduzir o mercado do crime. Enfim, já temos o caminho para fazer o certo na vida certa!