Cresce a expectativa em torno da indicação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a chefia da Procuradoria-Geral da República (PGR) pelos próximos dois anos. Embora mesmo no governo exista quem defenda uma recondução, os maiores indicativos são de que o atual ocupante do posto, Augusto Aras, deixa o cargo em setembro, quando termina o seu segundo mandato. Há boas chances de Lula, desta vez, não seguir a posição que adotou em suas duas gestões anteriores e, agora, preferir um nome fora da lista tríplice votada pelos procuradores federais.
A higidez da jovem democracia brasileira também depende de uma Procuradoria altiva e zelosa de sua missão constitucional
É direito do presidente da República seguir as sugestões dos procuradores ou ignorá-las completamente, como fez Jair Bolsonaro ao escolher Aras. A PGR, no entanto, tem um relevante papel definido pela Constituição. É uma instituição que deve agir em nome dos interesses da sociedade e em defesa da ordem jurídica e do regime democrático. Uma de suas mais importantes funções é a de investigar e acionar judicialmente autoridades com foro privilegiado, como deputados federais, senadores, ministros e a própria figura a ocupar o mais alto cargo do país.
Em nome dos valores republicanos, deve-se esperar que a escolha de Lula não tenha como principal critério o compromisso tácito do indicado de blindar o presidente da República, membros do governo ou outros agentes políticos com prerrogativa de foro. Não é segredo que passou a ser uma definição mais sensível após a Lava-Jato e os seus desdobramentos. Mas as eventuais extrapolações já apontadas da operação não devem ser motivo para se buscar uma PGR dócil.
Uma queixa recorrente direcionada à Lava-Jato foi a de que a política foi criminalizada. Mesmo assim, evitar uma postura de enxergar irregularidades em toda negociação própria de bastidores, mesmo que moralmente duvidosa, é bem diferente de fechar os olhos para potenciais delitos cometidos por representantes públicos. O comportamento de Augusto Aras, por este prisma, mereceu sérios reparos. O atual PGR notabilizou-se por uma série de omissões ao longo dos últimos quatro anos em episódios, por exemplo, vinculados à pandemia e a atos antidemocráticos. Como lembrou a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber, em julho de 2021, “no desenho das atribuições do Ministério Público, não se vislumbra o papel de espectador das ações dos poderes da República”.
Ao que parece, escaldado pela Lava-Jato, que o levou à prisão, Lula quer se definir por alguém que não lhe traga dissabores. Os próprios aliados do governo e os novos parceiros, como os partidos do centrão, têm interesse em uma escolha que nem de longe lembre Rodrigo Janot, o PGR no auge da operação e indicado pela ex-presidente Dilma Rousseff por ter sido o primeiro colocado da listra tríplice elaborada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). Mas seria nocivo para o país se a sujeição for grande parte do critério. Aguarda-se que Lula tenha outros parâmetros e discernimento para compreender a importância de não enfraquecer institucionalmente a chefia do Ministério Público Federal (MPF). A higidez da jovem democracia brasileira também depende de uma PGR altiva e zelosa de sua missão constitucional de defesa do interesse público.